26 de dezembro de 2022

20 1ª Timóteo 3:15 ensina que a Igreja Romana é infalível? Refutando o conceito de “Igreja” de Dave Armstrong

 

Nota introdutória
 
Dave Armstrong é um famoso apologista tridentino norte-americano conhecido por passar o dia inteiro atacando os protestantes na internet em vez de arrumar um trabalho, aproveitando o seu imenso tempo livre para escrever infindáveis artigos que seus oponentes não terão tempo de responder até ganhá-los pelo cansaço e cantar vitória (não à toa, sempre fugiu de debates ao vivo, onde o oponente teria o mesmo tempo que ele e ele não teria como correr para o Google). Desde o início do ano criou uma verdadeira obsessão pela minha pessoa e escreveu mais de 50 artigos “against Lucas Banzoli” antes que eu respondesse qualquer coisa. Sempre com uma linguagem hostil e provocadora, apela ainda a calúnias e difamações típicas da apologética católica (tais como que eu sou “não-teísta” e que “nego a divindade de Cristo”).
 
Depois de passar meses quase implorando pela minha atenção decidi respondê-lo com artigos que refutam linha por linha os seus impropérios, e descobri que, quando refutado, ele responde a um texto de 30 páginas com artigos de 5 páginas onde repete tudo o que já foi refutado e ignora todos os argumentos mais fortes. É superficial, fraco e desqualificado que só continua sendo respondido porque fiz das respostas ao Dave o meu novo esporte favorito (e porque estes artigos serão compilados para um novo livro de respostas às acusações papistas mais comuns, e nada melhor do que demonstrá-las na prática com alguém que se gaba por ter mais de 4 mil artigos “refutando” o protestantismo).
 
(Você pode ver minhas outras refutações ao Dave neste índice)
 
***

Antes de tudo, quero lhe desejar feliz natal atrasado e ano novo antecipado. Embora eu não tenha o menor apego a datas comemorativas, embora todo mundo saiba que Jesus não nasceu realmente em 25 de dezembro e embora não faça o menor sentido celebrar a volta da terra em torno do sol ou o fato de estar um ano mais velho (e mais próximo da morte), eu desejo que todos os leitores do site tenham passado um ótimo tempo (inclusive o Dave, mesmo porque seria muita ingratidão eu não desejar felicidades ao meu maior fã).
 
Agora vamos ao que interessa: no dia 3 de junho, Dave escreveu este artigo em resposta ao meu artigo “A Igreja é a coluna e sustentáculo da verdade”, onde tenta provar que “Igreja” na Bíblia significa “Igreja Católica Apostólica Romana” e que ela é infalível, porque é o “fundamento” da verdade. O texto que pauta toda a discussão é o que diz (na tradução da ACF):
 
“Mas, se tardar, para que saibas como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade” (1ª Timóteo 3:15)
 
No meu artigo de 2015, eu escrevo:
 
Paulo não estava falando da Igreja Romana. A adição “romana” no texto não existe. Aliás: existe, mas só na cabeça de quem precisa encontrar “romana” ali para dar sentido ao seu argumento.
 
A isso, Dave responde:
 
Sim e não. Ele estava falando sobre a Igreja estabelecida por Jesus Cristo (com Pedro como cabeça). Essa Igreja é historicamente a mesma que mais tarde ficou conhecida como Igreja Católica, encabeçada pelos papas (sucessores de Pedro) em Roma. “Roma” ou “romano” não está presente neste texto, mas não vem ao caso. Paulo está se referindo à única Igreja verdadeira: uma instituição histórica real e concreta que pode ser identificada (não é uma mera abstração ou apenas “mística”).
 
“Sim e não” é a melhor resposta que só poderia vir da mente caótica de Dave, atordoado diante de tantas gafes que vieram à tona nos artigos mais recentes. Ele sabe que o texto não fala da Igreja Romana, sabe que não é disso que Paulo tem em mente, mas mesmo assim precisa dar um jeito de fazer o texto dizer o que não diz, do contrário seu argumento em torno de 1ª Timóteo 3:15 é completamente inútil. Então, ao invés de mostrar exegeticamente que o texto se refere à Igreja Católica Romana, ele prefere dizer que “Roma ou romano não está presente neste texto, mas não vem ao caso”. Agora sabemos de onde Dave tirou que Hegésipo tinha chamado Judas de “primo” de Jesus: o texto não diz isso, mas “não vem ao caso”.
 
O argumento do “não vem ao caso” é acompanhado aqui de uma série de falácias, engodos teológicos e aberrações históricas, tais como que a Igreja tinha Pedro como cabeça (algo que já foi inteiramente refutado há dez anos em um livro que escrevi especificamente sobre isso, “A História não contada de Pedro”, disponível na página dos livros). É curioso notar que a Bíblia nunca chama Pedro de “cabeça” de nada, mas chama Paulo de “o principal cabeça da seita dos nazarenos” (At 24:5). Mas mesmo Paulo sendo chamado de o principal cabeça da “seita dos nazarenos” (como o Cristianismo era intitulado na época) e Pedro nunca sendo chamado de cabeça de coisa nenhuma, Dave assegura que era Pedro e não Paulo a cabeça de todos os cristãos (porque é o que Roma diz, então senta aí e shut up).
 
Dave também alega que «essa Igreja é historicamente a mesma que mais tarde ficou conhecida como Igreja Católica, encabeçada pelos papas em Roma», o que é tão clamorosamente falso que é rejeitado até mesmo pelos teólogos e historiadores católicos sérios, que reconhecem abertamente que a Igreja primitiva não era governada por um “papa” e que sequer existia um episcopado monárquico (como você pode ver neste artigo, onde eu reúno as palavras de vinte das maiores autoridades católicas do planeta). A diferença entre Dave e esses eruditos – muitos deles com o Imprimatur e o Nihil obstat concedidos pela Igreja, coisa que Dave jamais teve – é que eles são verdadeiros estudiosos minimamente comprometidos com a verdade histórica, não palpiteiros proselitistas mais preocupados com panfletagem doutrinatória às custas da honestidade.
 
É desse jeito que Dave tenta encontrar a Igreja Romana em 1ª Timóteo 3:15: não através da exegese, nem do contexto, muito menos da leitura simples e natural do texto, mas por meio da adulteração histórica, da distorção bíblica e da manipulação grosseira; onde o que importa não é o que o texto efetivamente diz, mas os pressupostos com os quais ele os lê. No fim das contas, é o mesmo argumento circular de sempre: devemos crer que a “Igreja” na Bíblia significa a “Igreja Romana”, porque a Igreja Romana assim o afirma. 
 
(Meu artigo) Paulo não estava falando da Igreja como instituição. No capítulo 2 deste livro conferimos inúmeras provas bíblicas de que o real e verdadeiro conceito de ekklesia não é o de uma instituição religiosa, e muito menos a romana, mas refere-se aos próprios cristãos, como o corpo de Cristo.
 
(Resposta do Dave) Isso também é falso e reflete a eclesiologia muito “baixa” e antibíblica de Lucas. Na Bíblia, ekklesia refere-se a ambas as igrejas locais (como nas epístolas de Paulo e nos três primeiros capítulos do Apocalipse: as “sete igrejas”). Também se refere à única verdadeira Igreja Católica institucional, universal, que pode ser apontada e identificada.
 
O problema é que Dave não sabe o que é uma “igreja local”, muito menos o que é a Igreja universal. Na Bíblia, uma igreja local não é uma denominação A ou B ou uma instituição instalada em certo lugar, mas é tão-somente uma alusão a todos os cristãos residentes naquele lugar. O próprio exemplo que Dave cita demonstra isso. A cada uma das sete igrejas locais, o texto se refere à igreja “em”, não à igreja “de”:
 
“Ao anjo da igreja em Éfeso escreva...” (Ap 2:1)
“Ao anjo da igreja em Esmirna escreva...” (Ap 2:8)
“Ao anjo da igreja em Pérgamo escreva...” (Ap 2:12)
“Ao anjo da igreja em Tiatira escreva...” (Ap 2:18)
“Ao anjo da igreja em Sardes escreva...” (Ap 3:1)
“Ao anjo da igreja em Filadélfia escreva...” (Ap 3:7)
“Ao anjo da igreja em Laodiceia escreva...” (Ap 3:14)
 
Embora a ACF traduza todos esses textos como “da igreja de tal lugar”, a preposição grega que aparece nos textos em questão é en (“em”), não ek (“da”). Este conceito é reforçado nos muitos textos que mostram a igreja “em” algum lugar, mesmo quando este lugar é apenas a casa de alguém (eu abordo isso mais amplamente neste artigo). Tome como exemplo os seguintes textos:
 
“Saúdem Priscila e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus. Arriscaram a vida por mim. Sou grato a eles; não apenas eu, mas todas as igrejas dos gentios. Saúdem também a igreja que se reúne na casa deles (Romanos 16:3-5)
 
“Saudai os irmãos de Laodicéia, e Ninfa, e à igreja que ela hospeda em sua casa (Colossenses 4:15)
 
“À irmã Áfia, e a Arquipo, nosso companheiro de lutas, e à igreja que está em tua casa (Filemom 1:2)
 
Note que Paulo nunca diz para saudar “quem se reúne na igreja”, mas para saudar “a igreja que se reúne”. Eram os cristãos que se reuniam nas casas para cultuar a Deus, e esses mesmos cristãos eram a igreja. Hoje seria bastante estranho, mesmo no meio evangélico, que alguém dissesse para saudar “a igreja que tal pessoa hospeda em sua casa” (como em Colossenses 4:15), ou “a igreja que está em tua casa” (como em Filemom 1:2), mas essa era exatamente a linguagem que Paulo usava, que caracterizava com exatidão o conceito pessoal e bíblico de “igreja”.
 
Caso semelhante vemos em 1ª Coríntios 14:23, onde Paulo não diz que “os cristãos se reúnem na igreja”, mas que “a igreja se reúne em um lugar”:
 
Se, pois, toda a igreja se reunir no mesmo lugar, e todos se puserem a falar em outras línguas, no caso de entrarem indoutos ou incrédulos, não dirão, porventura, que estais loucos?” (1ª Coríntios 14:23)
 
Quem se reúne são os cristãos, esses cristãos são chamados de igreja, e essa igreja se reúne em um lugar (que pode ser uma casa ou um templo, “institucional” ou não). Se a “igreja local” nada mais é que a totalidade dos cristãos que se reúnem em determinada localidade, o que seria a “igreja universal”? A Igreja Católica Apostólica Romana? Nana-nina-não, mas a totalidade dos cristãos em todos os lugares. Ou, para acompanhar a definição da Concordância de Strong, «a totalidade dos cristãos dispersos por todo o mundo» (#1577).
 
Leve em consideração que o catecismo católico explicitamente afirma que nós protestantes estamos «incorporados em Cristo, e é a justo título que se honram com o nome de cristãos» (#818), entre outros elogios amáveis que nunca vemos sendo ditos pelos apologistas (como eu expus neste artigo), mas não nos considera a “Igreja” (nem a “Igreja verdadeira”, nem como parte da Igreja, já que eles se orgulham de serem “a única Igreja de Cristo”), justamente em função de seu conceito institucional e não bíblico de Igreja. Se eles seguissem o conceito bíblico, seriam obrigados por questão de coerência a nos considerar a “Igreja de Cristo” também, já que Igreja na Bíblia são todos os cristãos, e o catecismo nos considera cristãos. Mas eles não nos consideram, porque insistem que Igreja = instituição, mesmo à revelia das Escrituras.
 
Dave ataca este conceito bíblico como se fosse “uma mera abstração ou apenas ‘mística’”, porque não está familiarizado com os muitos textos bíblicos que definem a Igreja precisamente como o corpo (místico) de Cristo:
 
“E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” (Efésios 1:22-23)
 
“Pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador” (Efésios 5:23)
 
“Pois o que eu sofro no meu corpo pela Igreja, que é o corpo de Cristo, está ajudando a completar os sofrimentos de Cristo em favor dela” (Colossenses 1:24)
 
Se a Igreja é o corpo de Cristo, segue-se que para sabermos o significado de Igreja basta sabermos o que Paulo queria dizer com isso. Seria o “corpo de Cristo” uma instituição propriamente dita, como a Igreja Católica Romana? O próprio apóstolo esclarece isso (ou “escurece”, para não ofender o Kleber Lucas) quando escreve aos coríntios:
 
1 Coríntios 12
12 Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também.
13 Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito.
14 Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos.
15 Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo?
16 E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será por isso do corpo?
17 Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato?
18 Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis.
19 E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?
20 Assim, pois, há muitos membros, mas um corpo.
21 E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós.
22 Antes, os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários;
23 E os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra.
24 Porque os que em nós são mais nobres não têm necessidade disso, mas Deus assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela;
25 Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros.
26 De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele.
27 Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular.
 
Quando Paulo diz “vós sois o corpo de Cristo”, ele evidentemente não estava se dirigindo a uma instituição religiosa, ou a uma denominação, ou a um templo ou hierarquia. Isso não significa que essas coisas sejam ruins ou erradas, mas elas não são o que a Igreja é. A Igreja, isto é, o corpo místico de Cristo, refere-se aos próprios cristãos em si, para os quais Paulo escrevia. Para ele, todos os cristãos formam juntos o corpo de Cristo, sendo cada um deles um “membro” em particular. Ou seja, Strong estava certo quando disse que a Igreja universal é a totalidade dos cristãos dispersos por todo o mundo.
 
Na Bíblia, somos informados que Paulo “perseguia a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere” (At 8:3), e ouviu de Cristo: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (At 9:4). Jesus considera a perseguição à Igreja como uma perseguição a ele próprio. Mas Paulo não estava perseguindo uma instituição, tampouco uma hierarquia estrita. Ele perseguia a todos os cristãos. Eles eram a Igreja perseguida, com os quais Cristo se identificava. Caso semelhante encontramos na oração em favor de Pedro, que se encontrava no cárcere:
 
“Pedro, pois, estava guardado no cárcere; mas havia oração incessante a Deus por parte da igreja a favor dele” (Atos 12:5)
 
A Igreja orava por Pedro, porque a Igreja não é uma instituição ou organização impessoal, nem o clero em particular, mas os próprios cristãos, que intercediam pelo apóstolo. Muitos outros exemplos poderiam ser dados, mas penso que já está claro o analfabetismo bíblico de Dave aqui. Na Bíblia, a ekklesia local é meramente uma alusão aos cristãos daquele local, e a ekklesia universal uma alusão aos cristãos do mundo todo (não a uma instituição em particular, a uma “placa de igreja” ou hierarquia).
 
Por que isso é tão importante? Porque, como veremos, esta é exatamente a mesma definição de “Igreja” em 1ª Timóteo 3:15, que Dave tenta desesperadamente interpretar como sendo a Igreja Romana, devido ao analfabetismo bíblico já apontado (e ao desespero em se encontrar apoio a uma heresia).
 
O Concílio de Jerusalém (Atos 15) é um excelente exemplo dessa autoridade institucional. Um conselho ali decretou certas coisas a respeito das leis que os cristãos devem obedecer. Fê-lo invocando a proteção infalível do Espírito Santo (“pareceu bem ao Espírito Santo e a nós lançar sobre ti...”: 15:28). A instrução foi inicialmente enviada aos “gentios em Antioquia, na Síria e na Cilícia” (15:23). Essas são áreas que não estão em Israel; portanto, isso não pode ser apenas uma igreja local em jogo. É a Igreja universal: um conselho de presbíteros e apóstolos, incluindo São Pedro e São Paulo, e Tiago, o bispo de Jerusalém.
 
Ao que parece, Dave acredita que se os cristãos são a Igreja, eles não podem se reunir em concílios, de onde se segue que a Igreja é uma instituição. Alguém precisa urgentemente avisá-lo que os evangélicos também têm os seus concílios (por exemplo, o Sínodo de Dort, a Assembleia de Westminster, a Conferência de Lausanne e assim por diante). Por razões óbvias, esses concílios não têm a mesma autoridade do concílio de Jerusalém, um concílio bíblico (e por definição infalível, como tudo o que está na Palavra de Deus) e protagonizado pelos próprios apóstolos que conviveram pessoalmente com o Senhor e conheciam em primeira-mão a verdadeira doutrina. Mas eles são formas que as igrejas tem de se organizar internamente (ou seja, que os cristãos têm para chegar a um comum acordo), o que não muda em nada o fato de a Igreja ser os cristãos em si e não a instituição.
 

Também é interessante notar que o concílio que Dave menciona é presidido por Tiago e não por Pedro, apesar de Pedro estar presente (At 15:7). Veja só que embaraçoso: embora o “papa” estivesse no concílio, ele não o abre e nem o fecha; após sua palavra o concílio segue com as palavras de Paulo e Barnabé (v. 12), e quem dá a palavra final (uma atitude típica de quem preside uma assembleia) é Tiago, o irmão de Jesus (vs. 13-20). O papel proeminente de Tiago também se vê no fato dele ser o que mais fala, e sobretudo no fato da carta enviada às igrejas com as decisões do concílio ser inteiramente baseada em suas palavras, e não nas de Pedro: 

O que Tiago disse

O que foi escrito às igrejas

“Pelo contrário, devemos escrever a eles, dizendo-lhes que se abstenham de comida contaminada pelos ídolos, da imoralidade sexual, da carne de animais estrangulados e do sangue. Pois, desde os tempos antigos, Moisés é pregado em todas as cidades, sendo lido nas sinagogas todos os sábados” (vs. 20-21)

“Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não impor a vocês nada além das seguintes exigências necessárias: Abster-se de comida sacrificada aos ídolos, do sangue, da carne de animais estrangulados e da imoralidade sexual. Vocês farão bem em evitar essas coisas. Que tudo lhes vá bem” (vs. 28-29)

Compare isso com a forma como Dave definiu a Igreja lá em cima, quando disse que ela «tem Pedro como cabeça» e «é encabeçada pelos papas». Se este concílio provasse que a Igreja é uma instituição, ela com certeza passaria longe da instituição católica romana.
 
Em seguida, Dave faz o que sabe fazer de melhor: encher o artigo com um monte de textos bíblicos que não dizem absolutamente nada do que ele afirma, citando de forma tão aleatória quanto seu artigo cômico a respeito da oração aos mortos (que eu comentei aqui). Ele diz que esses textos provam a Igreja “como a Igreja universal e institucional (não meramente a congregação local)”, mas analisemos um a um para ver se qualquer um deles contradiz o que aprendemos a respeito do conceito bíblico de Igreja como uma alusão aos cristãos (de um determinado local ou do mundo todo, a depender do contexto).
 
Os textos serão citados aqui como constam no artigo dele (ou seja, cortados ao meio, como lhe é de praxe):
 
Mateus 16:18: “...sobre esta pedra edificarei a minha igreja...”
 
O texto preferido dos papistas, que eu já comentei exaustivamente no livro já referido (“A História não contada de Pedro”, disponível para download na página dos livros). O problema é que esse texto não diz nada sobre a natureza da Igreja, a despeito da “pedra” em questão ser Pedro ou Jesus. Se Dave quer provar que a Igreja na Bíblia é uma instituição (e mais ainda, que é especificamente a instituição católica romana), ele precisa de bem mais do que um texto que diz apenas “igreja”. Como mostrei neste artigo, a ideia que o texto transmite nada mais é que a mesma apresentada em muitos outros textos, de que os cristãos (=igreja) estão edificados no fundamento que é Cristo:
 
“Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo” (1ª Coríntios 3:11)
 
“Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nele, arraigados e edificados nele, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, nela abundando em ação de graças” (Colossenses 2:6-7)
 
"Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo. Pois está na Escritura: eis que ponho em Sião uma pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será de modo algum envergonhado. Para vós outros, portanto, que crerdes, é preciosidade; mas para os descrentes, a pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a pedra principal, angular” (1ª Pedro 2:4-7)
 
Note que o último texto foi escrito pelo próprio Pedro, a quem Jesus dirigiu as palavras de Mateus 16:18, o que mostra que ele entendeu bem que a Igreja não está edificada sobre ele mesmo, mas sobre a rocha que é Cristo (cf. Rm 9:32-33; 1Co 10:4; Mc 12:10; Mt 21:42; At 4:11). O próximo texto que Dave cita é esse:
 
Atos 5:11: “E sobreveio grande temor a todos e a todos os que ouviram estas coisas”
 
O texto nem sequer menciona “igreja”, caiu de paraquedas aqui. Eu já disse pra ele tomar cuidado com essa mania de escrever com a ajuda de entorpecentes, mas parece que ele não entendeu o recado. A sua ânsia de citar textos aleatórios a qualquer custo vai tão longe que ele nem percebe quando a referência é tão aleatória que se torna impossível de se detectar o “argumento”. Em todos esses anos de apologética, eu nunca vi alguém tão desesperado em “caçar textos” sem nenhum nexo com o assunto, só para dizer que “citou muitos textos”. Estou realmente começando a pensar que Dave literalmente fecha os olhos e aponta o dedo pro primeiro lugar que abrir na Bíblia para escolher os versos que cita, de tão ridiculamente aleatória que a coisa é. E por falar nisso, aí vem mais um...
 
Atos 9:31: “Assim a igreja em toda a Judeia, Galileia e Samaria teve paz e foi edificada...”
 
Este é o mesmo caso dos textos que vimos da igreja “em” algum lugar. Em vez disso provar o conceito institucional de igreja, prova exatamente o contrário: que a “igreja” se refere aos próprios cristãos que estão «em toda a Judeia, Galileia e Samaria». Eu fico agradecido que Dave faça questão de citar os textos que comprovam exatamente o que eu digo, dispensando-me do trabalho e do esforço. É difícil encontrar alguém mais generoso do que ele.
 
Tão generoso ele é que nos brinda com mais um texto que prova precisamente o meu ponto:
 
Atos 20:28: “...a igreja de Deus que ele resgatou com o sangue de seu próprio Filho”
 
E o que é a «igreja de Deus» que Ele resgatou com o sangue de Jesus? Dave deve acreditar que foi uma instituição que Deus resgatou na cruz; que foi por uma instituição (e não por pessoas) que Jesus morreu. É inacreditável pensar que um ser humano racional, com um cérebro perfeitamente funcional, seja capaz de usar um texto desses para provar que o conceito de Igreja como pessoas está errado, e que o conceito de Igreja como instituição é o certo. É o tipo de coisa que me faz realmente pensar que Dave é mesmo um comediante travestido de “apologista” para trollar seus seguidores católicos, citando textos que refutam eles mesmos para zombar deles em segredo. É francamente difícil pensar numa alternativa mais razoável.
 
1ª Coríntios 10:32: “...a igreja de Deus...”
 
1ª Coríntios 11:32: “...a igreja de Deus...”
 
Não é brincadeira: Dave cita apenas esses trechos, cortando o antes e o depois, porque realmente acha que a simples menção à “igreja de Deus” é uma prova contundente do sentido institucional de igreja! E ainda tem gente que pensa que esse cara se leva realmente a sério. Pior ainda: tem gente que acha que esse é o “melhor” apologista católico, o que deve dizer muito a respeito do nível da apologética católica como um todo. Eu nunca imaginaria que o nível desceria tão baixo que deixaria de ser um artigo miseravelmente ruim para se tornar um incrivelmente cômico.
 
Em tempo: quando Paulo fala da “igreja de Deus”, o sentido é rigorosamente o mesmo de Atos 20:28: a igreja pertence a Deus, porque Ele a resgatou com o sangue do Seu próprio filho. E o que o filho resgatou não foi uma instituição, mas humanos decaídos (transformados em novas criaturas pelo Seu sangue). Em vez da expressão “igreja de Deus” provar que Deus tem uma placa de igreja e que essa igreja é a instituição católica romana, ela apenas reforça que a igreja somos nós, resgatados “do domínio das trevas para o reino do seu Filho amado” (Cl 1:13). Nada de “instituição” aqui!
 
1ª Coríntios 12:28: “Assim, na igreja, Deus estabeleceu primeiramente apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois os que realizam milagres, os que têm dom de curar, os que têm dom de prestar ajuda, os que têm dons de administração e os que falam diversas línguas”
 
Esse versículo prova que existe uma organização na Igreja, não que a Igreja é uma organização. Dave inverte causa e efeito como uma criança que pensa que faz frio porque neva, e não que neva porque faz frio. As igrejas protestantes também têm mestres, profetas e pessoas com dons espirituais (pelo menos as que não são cessacionistas), e nem por isso acreditamos que a igreja seja uma instituição. Mais uma vez: igreja, na Bíblia, são pessoas que podem se reunir em instituições, e não as próprias instituições em si.
 
1ª Coríntios 15:9: “...eu persegui a igreja de Deus” (cf. Gl 1:13; Fp 3:6)
 
Este é exatamente o mesmo texto que eu citei lá em cima, um dos muitos que provam que a Igreja na Bíblia de fato não é uma instituição (Dave é tão gentil que me ajuda a me lembrar deste texto, no caso de eu ter me esquecido). Já vimos o texto que diz que Paulo “perseguia a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere” (At 8:3). Ele não perseguia uma “instituição”, mas pessoas, que eram arrastadas para a prisão. Essas pessoas que eram a igreja, não uma instituição à qual elas pertenciam.
 
Efésios 1:22: “Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou como cabeça de todas as coisas para a igreja” (cf. 3:10, 21; 5:23-25, 27, 29, 32)
 
Dave só se esqueceu de citar a continuação desse versículo, que continua com “que é o seu corpo” (v. 23), e, como vimos, o próprio Paulo define o corpo de Cristo como os cristãos em si, não como uma instituição (1Co 12:12-27). Parece que Dave acha que todo texto onde simplesmente aparece a palavra “igreja” pode ser usado como prova do sentido institucional de igreja, por isso cita tantos cujo contexto favorecem notoriamente a posição contrária à que ele defende. Isso se vê com mais notoriedade nos últimos dois textos que ele cita, que se relacionam precisamente com o que acabou de ser dito:
 
Colossenses 1:18: “Ele é a cabeça do corpo, a igreja...”
 
Colossenses 1:24: “...por amor do seu corpo, isto é, da igreja”
 
Onde o texto diz «o seu corpo, isto é, a igreja», Dave lê “o seu corpo, isto é, a instituição Católica Apostólica Romana”. Isso não é apenas problema de miopia; é uma blasfêmia e um sacrilégio contra o próprio corpo do Senhor. Não temos mais o que dizer além do que o próprio Paulo (que escreveu esses textos) explicou exaustivamente aos coríntios, quando disse que o corpo de Cristo “sois vós” (1Co 12:27), e que cada um de nós somos membros desse corpo (vs. 12-26). Em outras palavras, a ekklesia é a congregação de todos os cristãos, que juntos formam o “corpo” e individualmente são os “membros” desse corpo. Transformar um ensino bíblico tão claro como este em um conceito institucional e burocrático de Igreja centralizada em Roma com o papa como cabeça é uma abominação a qualquer mente sã.
 
Depois de distorcer tantos textos bíblicos quanto o habitual e metralhar passagens fora de contexto, Dave passa a distorcer o grego também. Após eu dizer que nenhuma das duas palavras gregas usadas em 1ª Timóteo 3:15 significavam “fundamento”, ele escreve:
 
Essas duas palavras são particularmente definidas, mas é verdade que elas sustentam a verdade, que está “em cima” delas (“pilar e baluarte da verdade” na RSV). Concordo sobre o significado de stulos (“pilar”). Mas hedraióma (palavra de Strong #1477, como Lucas citou) é um termo mais forte. Strong o define como “uma fundação, esteio, suporte” (Lucas convenientemente omitiu a definição de “fundação”).
 
Eu não omiti nada, porque a Concordância de Strong que qualquer um pode baixar na internet (publicada em 2002 pela Sociedade Bíblica do Brasil) dá apenas estes significados (e nenhum deles de “fundação”): 

 
Dave diz que Strong define como «fundação, esteio, suporte», mas aqui vemos «suporte, apoio, escora». Se alguém acha que eu estou adulterando a definição de Strong ou inventando essas definições, faça-me o favor de clicar aqui e conferir por si mesmo (no verbete 1477 em grego, ou mais precisamente na página 1307). Outros dicionários apresentam o mesmo sentido, como a Concordância Exaustiva NAS, que define hedraióma como «um suporte», e o léxico grego de Thayer, que define como «um suporte, apoio».
 
Dave provavelmente confunde a concordância com o léxico de Strong, o qual realmente traz “base” como um dos significados, mas a concordância é muito mais completa do que o léxico, e a maioria dos outros léxicos descartam “fundamento” ou “base” como um dos significados possíveis. Mesmo se “fundamento” fosse mesmo um dos significados possíveis, não significa que fosse o significado intencionado no texto em questão, porque qualquer um que alguma vez tenha estudado um idioma sabe que não é porque uma palavra pode ter um significado que ela terá de fato aquele significado sempre que for usada.
 
Quando eu comecei a aprender inglês, uma das palavras que eu mais odiava era board. Isso porque eu memorizava palavras pelo Anki, e você deve imaginar como é difícil memorizar todos os significados de uma palavra que pode significar mesa, conselho, tabuleiro, tábua, quadro, prancha, papelão, borda, embarcar ou abordar, entre outros tantos significados possíveis. A mesma coisa aconteceu quando comecei a aprender francês e me deparei com a palavra coup, que pode significar “golpe”, como pode significar outras quinhentas coisas.
 
Obviamente, nem board e nem coup significam todas essas coisas ao mesmo tempo. Elas simplesmente podem assumir um desses significados dependendo do contexto, mas na maioria das vezes a maior parte desses significados ficarão de fora. A mesma coisa acontece com o grego. Mesmo se “fundamento” fosse um dos significados possíveis de hedraióma, isso não implicaria que fosse o significado em 1ª Timóteo 3:15 – até porque, como vimos, ela divide espaço com outros significados, que são bem mais frequentes (tanto é que “fundamento” se encontra ausente na maior parte dos dicionários de grego, mesmo como significado secundário ou alternativo).
 
O próprio grego possui outros termos mais próprios que são frequentemente utilizados quando o propósito é falar de um fundamento, principalmente themelios, definido como “fundamento” por todos os dicionários, e que tem precisamente este significado em todas as 16 vezes em que é usado no NT (veja uma relação de citações aqui). Por que Paulo não usou themelios no texto em questão, se Dave insiste que sua intenção era falar de um fundamento (e essa era sempre a palavra usada por Paulo quando o propósito era este)? Obviamente, porque não era o propósito em 1ª Timóteo 3:15, que fala de outra coisa.
 
Analisando o contexto e considerando o significado de “igreja” que já foi provado com muitos textos, não faria o menor sentido que Paulo dissesse que a igreja (isto é, os cristãos) são o “fundamento” da verdade, como se os cristãos estivessem de alguma forma “acima” da verdade ou fossem superiores a ela (sobretudo porque mesmo pessoas cristãs e regeneradas pecam e faltam com a verdade às vezes).
 
Faria menos sentido ainda se “igreja” ali fosse uma instituição, sobretudo uma instituição com histórico de assassina, que por séculos torturou e queimou até a morte milhares de pessoas apenas por divergências doutrinárias, isso sem falar no apoio à escravidão, na proibição da leitura da Bíblia, no genocídio indígena no Novo Mundo, nas guerras religiosas para exterminar os protestantes (como a Guerra dos 30 Anos e as guerras de Carlos V), no covarde e sanguinário Massacre da Noite de São Bartolomeu, no ainda mais covarde Massacre de Vassy, na caça às bruxas, nas Cruzadas e em tantos outros espetáculos de horror que já foram perpetrados com sanção oficial dos papas (e que eu já documentei em numerosos artigos e livros).
 
Dizer que uma instituição como essa é o próprio fundamento da verdade, como se tudo o que ela dissesse ou fizesse fosse certo só porque ela disse ou fez (que é literalmente o que Dave defende no artigo) é mais que uma piada de mau gosto; é um crime contra a humanidade. O próprio papa João Paulo II já pediu perdão pela Inquisição, embora ela fosse aprovada por todos os seus predecessores durante toda a sua existência. Qual igreja era infalível? Aquela que queimava “hereges” na fogueira em autos-da-fé diante de mulheres e crianças em praça pública para aterrorizar as massas, ou aquela que se desculpou (de forma bastante tardia, é verdade) por essas atrocidades?
 
É difícil se colocar na cabeça de um tridentino como Dave, que precisa fazer os malabarismos mais excêntricos para explicar o inexplicável e justificar o injustificável, inventando qualquer desculpa bizarra e esfarrapada para sustentar que as duas estavam certas, e nenhuma errada (mesmo quando ambas estão em desarmonia uma com a outra, que é o mesmo que imaginar um triângulo quadrado ou um solteiro casado). A “igreja” (leia-se: “Romana”) tem que estar certa a qualquer custo, mesmo quando é preciso lançar mão dos malabarismos mais exóticos para conciliar uma coisa com a outra, mesmo quando ela própria admite que esteve errada, mesmo quando é preciso cauterizar qualquer resquício de consciência moral.
 
Isso é uma das principais virtudes que distinguem os evangélicos de católicos como Dave (não de todos, mas da classe apologética mais rasteira): nós não temos o menor problema em assumir os crimes e mazelas já cometidos na história por igrejas protestantes, pois sabemos que “Igreja” na Bíblia não é isso. Eles, ao contrário, precisam defender mesmo aquilo que eles sabem que é indefensável, não importa o quão atolados estejam no lamaçal de barbaridades sem fim perpetradas, já que eles estão teologicamente condicionados ao ensino de que “Igreja” na Bíblia significa especificamente a instituição deles, que deve ser infalível e defendida custe o que custar (mesmo às custas da verdade, da honestidade e da moralidade).
 
É aqui que chegamos ao ponto culminante: se a Igreja não é o “fundamento” da verdade, como se a verdade fosse dependente da Igreja, o que ela é afinal? Ela é o “pilar” ou a “coluna” da verdade, edificada sobre a verdade, e não a verdade nela. Paulo nada mais estava fazendo senão enfatizando a missão da Igreja, que é de pregar e anunciar essa verdade ao mundo, e não de manipulá-la ou se colocar acima dela. Assim como uma coluna está erguida sobre um fundamento, os cristãos estão edificados sobre a verdade, não porque qualquer coisa que eles digam seja automaticamente verdadeira, mas porque têm o dever de estarem firmados na verdade que é Cristo. É isso que é ser “coluna e firmeza da verdade”.
 
Não obstante, Dave continua tentando inutilmente encontrar neste versículo um apoio para a infalibilidade da Igreja Romana, e escreve:
 
O texto diz exatamente o contrário do que Lucas argumenta, conforme demonstrado. Longe de a Igreja ser “dependente da verdade”, a Bíblia diz que ela é o fundamento ou base da verdade: exatamente o que nós, católicos, estamos dizendo. Não se segue que a Bíblia não seja isso (raciocínio “isso ou aquilo”). Mas a Igreja é junto ou ao lado da Bíblia: precisamente como na regra de fé católica. Isso não torna a Igreja inspirada; apenas infalível. E isso é o bastante para destruir a Sola Scriptura como um suposto princípio bíblico e regra de fé.
 
Agora, não satisfeito em perverter 1ª Timóteo 3:15 para pregar a infalibilidade da Igreja Romana, Dave vai além, e encontra um jeito de “refutar” até a Sola Scriptura! Com um raciocínio tão brilhante como esse, me impressiona que este não tenha sido o mesmo Armstrong que foi à lua (embora viaje “no mundo da lua” com muito mais frequência que o astronauta homônimo). Claro que, se o conceito de Igreja não é o que Dave pensa que seja, todo o resto do argumento cai como um castelinho de areia – que é exatamente o que vimos que ocorre.
 
Todo esse monte de horror que Dave conclui bisonhamente depende de três premissas que ele falha miseravelmente em provar: (1) que essa Igreja é uma instituição; (2) que essa instituição é a católica romana em particular; (3) que o texto fala de ser o “fundamento” da verdade, e não uma “coluna” ou apoio a ela. Com base nessas três falsas pressuposições que Dave tira do próprio nariz, ele inverte completamente o significado e o propósito do texto paulino, transformando uma mensagem clara e simples sobre os cristãos serem mantenedores da verdade em uma mensagem burlesca sobre uma instituição romana ser infalível e acima da verdade (e que, de alguma forma mágica e misteriosa, isso também refuta a Sola Scriptura!).
 
Lembre-se: esse é o melhor apologista católico (na opinião de muitos deles). Imagine o pior. 
 
1ª Timóteo 3:15 define “família de Deus” como “a igreja do Deus vivo”. Portanto, sabemos que Efésios 2:19-21 também se refere à Igreja, embora essa palavra não esteja presente. Aqui o próprio “fundamento” da Igreja são “os apóstolos e profetas, sendo o próprio Cristo Jesus a pedra angular”. O fundamento da própria Igreja é Jesus e os apóstolos e profetas.
 
Deixe-me resumir o argumento de Dave: ele pega o texto de Efésios que diz que nós estamos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular” (Ef 2:20), mistura com o texto de 1ª Timóteo 3:15, e conclui que Paulo só podia estar falando da Igreja como o fundamento da verdade. Há tantos problemas diferentes com esse raciocínio que é até difícil saber por onde começar. Em primeiro lugar, não se faz exegese juntando versículos desconexos ao bel-prazer. Com essa mesma lógica, poderíamos pegar qualquer outro texto onde a palavra “fundamento” aparece e relacioná-lo a 1ª Timóteo 3:15, o que seria obviamente estúpido, além de uma petição de princípio (por querer inculcar este significado ao texto em vez de extraí-lo do mesmo).
 
Em segundo lugar, o texto apenas prova que a Igreja não é uma instituição, já que Paulo não menciona instituição alguma, mas meramente pessoas (o que corrobora o sentido que vimos de Igreja, na contramão do que ele mesmo argumenta). Como Dave lastimavelmente não tem textos sobre a natureza da Igreja que possa usar a seu favor, ele pega os nossos e diz que é dele. Alguém lhe avise que isso é uma coisa feia, muito feia.
 
Terceiro, e mais importante, o texto não diz que os apóstolos são o fundamento da Igreja, mas que a Igreja está edificada sobre o fundamento deles. Essa pode parecer uma diferença sutil, mas que muda tudo quando vemos o que Paulo escreve aos coríntios:
 
“Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo (1ª Coríntios 3:10-11)
 
Paulo era apóstolo, mas observe que ele não diz que ele próprio era o fundamento (ou “um dos”). Pelo contrário, ele diz que pôs o fundamento, mas que esse fundamento é apenas um: Jesus. E para ser enfático a esse respeito e não dar nenhuma margem à interpretação pitoresca que Dave faz (quando diz que “o fundamento é Jesus e os apóstolos e os profetas”), Paulo faz questão de ressaltar que «ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo». Ou seja, Jesus não é um fundamento “junto com os apóstolos e profetas”, mas o único fundamento. Impossível ser mais claro.
 
Então, quando Paulo diz aos efésios que a Igreja está edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas” (Ef 2:20), o sentido não é que os apóstolos são o próprio fundamento (o que implicaria numa clara contradição com o que ele disse em 1Co 3:11), mas que os apóstolos colocaram o fundamento, exatamente como ele disse a respeito de si mesmo em 1ª Coríntios 3:10. Mas o fundamento em si não pode ser outro senão Jesus, que é o próprio “caminho, a verdade e a vida” (Jo 14:6), sem dividir espaço com nenhum outro.
 
Dave precisa distorcer o texto para defender a ideia de um “tríplice fundamento”, onde Jesus é só mais um, que divide lugar com os apóstolos e profetas – que por alguma estranha razão não estariam edificados nele, como todos os cristãos estão:
 
“Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nele, arraigados e edificados nele, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, nela abundando em ação de graças” (Colossenses 2:6-7)
 
Depois que dizemos que os papistas adoram descentralizar Cristo, ainda reclamam. Para Dave, Jesus não é nem mesmo o único fundamento, nem a Igreja está edificada em Cristo, já que ela seria o próprio fundamento ao lado de Cristo (e não “em” Cristo, como a Bíblia ensina repetidas vezes). É um ensino totalmente herético, blasfêmico, satânico, diabólico. Um ensino que só pode ter surgido nos porões do inferno, tirado da mente do próprio diabo. Não me admiraria se daqui a pouco Dave decidisse rebaixar Jesus ainda mais, talvez colocando-o um pouco abaixo dos apóstolos e profetas, ou melhor ainda, abaixo de “Nossa Senhora”, para encher os olhos de Afonso de Ligório e São Luís de Montfort. 
 
Portanto, a Igreja é construída sobre o fundamento de Jesus (perfeito em todo o conhecimento) e dos profetas e apóstolos (que falaram verdades infalíveis, muitas vezes registradas nas Escrituras inspiradas e infalíveis). Além disso, é o próprio “Corpo de Cristo”. É lógico que a própria Igreja é infalível, da mesma forma. Sabendo o que é a verdade, como pode seu próprio fundamento ou pilar ser algo menos que a verdade total (uma vez que a própria verdade não contém falsidades, inverdades, mentiras ou erros)? Eu não posso. É impossível. É uma questão direta de lógica e simples observação. Um fluxo não pode subir acima de sua fonte. O que é construído sobre um alicerce não pode ser maior que o alicerce. Se fosse, toda a estrutura entraria em colapso.
 
Mais um show de fanfarronices que já foram refutadas ao longo de todo o artigo: (1) a “Igreja” não é o que Dave acredita ser; (2) 1ª Timóteo 3:15 não fala de “fundamento”; (3) os apóstolos e profetas não são um fundamento, eles estão sobre o fundamento, que é Cristo; (4) o propósito da analogia é completamente antagônico à risível interpretação que ele faz da mesma; (5) a verdade não está abaixo da Igreja como ele insinua, mas acima (a Igreja é uma coluna da verdade, que por sua vez é o próprio Cristo – cf. Jo 14:6).
 
Um exemplo de como ser “coluna” não implica de forma alguma em ser “infalível” ou acima do bem e do mal, como Dave tragicamente interpreta 1ª Timóteo 3:15, é o texto em que Tiago, Pedro e João são chamados de “colunas”:
 
“Reconhecendo a graça que me fora concedida, Tiago, Pedro e João, tidos como colunas, estenderam a mão direita a mim e a Barnabé em sinal de comunhão” (Gálatas 2:9)
 
Três coisas a se observar aqui. Primeiro: Tiago é mencionado antes de Pedro, algo muito estranho se Pedro era o “papa” (o próprio Dave argumenta exaustivamente que Pedro tinha a primazia por ser o primeiro citado na lista de discípulos, mas agora que aparece após Tiago isso é convenientemente ignorado e não serve como testemunho contrário). Segundo: tanto Pedro como Tiago e João são chamados de colunas (exatamente o que eu argumento com base em 1ª Timóteo 3:15), e não de fundamento (como Dave acredita, tirando Jesus de seu posto como único fundamento). Como qualquer criança sabe, e talvez até um bebê, uma coluna não é o fundamento, mas está sobre o fundamento (porque o fundamento é Cristo, e não eles mesmos).
 
E o mais importante aqui, que derruba totalmente o argumento de Dave acerca da Igreja ser infalível por ser chamada de “coluna”: esses três também foram, e mesmo assim nunca se tornaram infalíveis. Pedro inclusive chegou a ser duramente repreendido por Paulo “por sua atitude repreensível” (Gl 2:11), e mesmo que Dave invente a desculpa de que “essa infalibilidade só vale em ex cathedra” (conceito que nem existia na época), que tipo de ex cathedra tinham Tiago e João, que nem papas eram? É óbvio que ser coluna da verdade não torna ninguém imune ao erro, nem infalível, muito menos “infalível ex cathedra”, como se Paulo tivesse em mente uma atrocidade dessas ao escrever 1ª Timóteo 3:15.
 
Como já foi explicado, o texto tem em mente apenas a missão dos cristãos, como propagadores e difusores da verdade ao redor do mundo, para que o mundo conheça a verdade que é Cristo (por isso Cristo é o “fundamento”, e nós somos as “colunas"). É trágico, é triste e é deprimente que Dave não apenas não consiga perceber isso, como termine o artigo com essa conclusão abismal:
 
Portanto, devemos concluir que se a Igreja é o fundamento da verdade, a Igreja deve ser infalível, pois a verdade é infalível, e o fundamento não pode ser menor do que aquele que é construído sobre ela. E visto que existe outra autoridade infalível além da Escritura, a Sola Scriptura deve ser falsa.
 
Se você pensa que essa deficiência cognitiva na parte do raciocínio lógico é uma deficiência apenas do Dave, está muito enganado. Dave apenas repete como um bom papagaio os sofismas papistas que vem desde a escolástica medieval, que não perdia uma oportunidade de sofismar com premissas ridículas em torno de tudo o que é possível imaginar, para chegar a conclusões ainda mais estapafúrdias. É importante que esse tipo de artigo seja divulgado ao máximo, para mostrar como eles seguem uma “lógica” delirante, capaz de atrair apenas as mentes mais fracas, mas que é violentamente arrebentada ao meio quando simplesmente confrontamos esses sofismas ardilosos com a Escritura, a razão e o bom senso.
 
Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (youtube.com/LucasBanzoli)

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20 comentários:

  1. Olá Lucas, tudo bem? Espero que sim. Peço a Deus que você esteja fisicamente, psicologicamente e - principalmente - espiritualmente bem. Você é muito importante para todos nós que lemos o seu blog recorrentemente. Eu, particularmente falando, sou extremamente beneficiado com toda a vastidão de conteúdo que você proporciona aqui, coisas que inclusive já me tiraram de algumas crises de fé. Saiba que seu galardão será grande por isso.
    Por favor, continue sempre conosco. Você é um irmão extremamente valioso.
    Obrigado por tudo.

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    1. Muito obrigado, fico feliz em saber que estou sendo útil de alguma maneira! Não pretendo deixar de escrever não, pode ficar tranquilo. Deus lhe abençoe!

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  2. Lucas Será que posso pedir sua opinião? Não sei se é permitido ficar falando sobre assuntos que não seja sobre o assunto do artigo.

    Uma pessoa ficou extremamente incomodada porque eu disse assim: Graças a Deus que era só um sonho e não o ato em sí que eu estava fazendo.
    Isso eu falei sobre um sonho erótico que tive.

    Logo em seguida essa pessoa já começou a mandar um texto dizendo que a salvação é pela graça, que Deus não tem nada a ver com isso, que se eu roubar, adulterar, mentir se eu viver assim eu vou sofrer aqui na terra mas não anula minha salvação.

    Eu achei muito estranho isso, eu achei libertino, ainda tentei mostrar texto na bíblia que diz que quem vive nas obras da carne não vai herdar o reino de Deus, me posicionei dizendo que quem nos justifica é Cristo, Que os frutos do Espírito são naturais na vida de um Cristão, que os Cristãos tem a semente de Deus e não podem viver no pecado.

    Mas a pessoa insiste em dizer que o texto não é literal que só dá pra entender pelo Espírito.

    A pessoa diz que pecar é errar o Alvo, e diz que o alvo é Cristo.  ela crê que pecado é apenas isso.
    Já eu disse que pecar é transgredir a lei de Deus.

    Eu não sei muito sobre esse assunto eu confesso e não quero sair por aí pregando heresias.

    Durante todo o debate eu não tirei o foco de Cristo, sempre falei que a salvaçâo é pela fé, mas disse que não realizamos obras para sermos salvos mas sim porque somos salvos.

    Esse é o meu entendimento.

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    1. Infelizmente essa pessoa não tem nada de cristã, é só um libertino sem vergonha que usa a fé para justificar a si mesmo e à sua vida de pecado. A Bíblia é clara em dizer que “sem santidade NINGUÉM verá ao Senhor” (Hb 12:14), e que “se continuarmos a pecar deliberadamente depois que recebemos o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados, mas tão-somente uma terrível expectativa de juízo e de fogo intenso QUE CONSUMIRÁ OS INIMIGOS DE DEUS” (Hb 10:26-27). O curioso é que esse tipo de “cristão” já existia desde a época de Paulo, o mesmo apóstolo que tanto pregou a salvação pela graça, que respondia desse jeito:

      “Por que não dizer como alguns caluniosamente afirmam que dizemos: ‘Façamos o mal, para que nos venha o bem’? A CONDENAÇÃO DOS TAIS É MERECIDA” (Romanos 3:8)

      “Que diremos então? Continuaremos pecando para que a graça aumente? DE MANEIRA NENHUMA! Nós, os que morremos para o pecado, como podemos continuar vivendo nele?” (Romanos 6:1-2)

      Eu francamente duvido que alguém possa ler dois capítulos de qualquer carta de Paulo sem perceber a tônica contra o pecado o tempo inteiro, de modo que é inacreditável (e inaceitável) que ainda exista no meio cristão falsos crentes que usam de pretextos sórdidos e de interpretação defeituosa para pregar contra aquilo que é a tônica principal das epístolas. É o tipo de gente que muito provavelmente nunca nem leu a Bíblia, só ouviu umas pregações liberais e saiu reproduzindo o que ouviu.

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  3. A doutrina da ICAR ultrapassou um ponto de não retorno que ela simplesmente não pode se voltar ao evagelho puro e simples pelo risco de cometer suicídio intelectual. É uma montanha de tradições e definições e ideias que contradizem coisas básicas da Bíblia. Eu quero acreditar que no banco das igrejas católicas tenham pessoas simples com uma fé simples e não essa palhaçada elaborada que se defende no púlpito delas.

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  4. Lucas Banzoli, te quiero agradecer por tan valiosos artículos que publicas en tu blog, son de tremenda edificación. Dios te siga usando en tan loable labor de enseñar a otros. Saludos desde México. Fraternal abrazo.

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  5. Excelente como sempre! Olavo de Carvalho, Guilherme Freire (conhece esse?) Brasil Paralelo e Padre Paulo Ricardo criaram um fenômeno interessante no Brasil, onde os jovenzinhos mais depravados possíveis, usam bandeira católica em sua bio no Instagram e acham que o protestantismo é o lixo da sociedade quando leem os livros do senhor padre. Porém quando você pergunta algo sobre a Bíblia não tem nem uma em casa (tenho amigos assim), e são sempre os mesmos velhos argumentos, que você já responde há anos. O tal do Guilherme Freire chegou até dizer em um vídeo que o Lewis seria católico se continuasse vivo. Enfim, ser católico é muito cômodo e fácil, isso que dá colocar Platão e Tomás de Aquino acima da Bíblia.

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    1. Não conheço esse Guilherme Freire, mas você descreveu com exatidão o perfil de uma enorme quantidade de jovens tridentinos que eu conheço, é bem assim mesmo. Muitos até viram fumantes pra copiar tudo do Mestre (até os vícios e as doenças cardiovasculares), são robozinhos com a mente lobotizada, totalmente destituídos de personalidade própria. Mas eu não admiro que estejam dizendo que Lewis seria católico se continuasse vivo, se estão usando até sessão de necromancia pra provar a oração aos mortos na Bíblia nada mais justo que recorrer à prática pra saber o que Lewis pensa do catolicismo hoje em dia...

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    2. O tal Guilherme Freire é o novo queridinho dos católicos, o vídeo em que ele fala do Lewis: https://www.youtube.com/watch?v=7y8JDMoqe3o
      É que é muito difícil para eles que o único protestante que eles leem não tenha sido católico em vida. KSKSADJDJ Para variar amam destacar esse lance de oração dos mortos, como se o Lewis fosse nosso papa.

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    3. Pois é, na cabeça deles apenas católicos tem virtudes, então eles superestimam as "celebridades" do lado deles (mesmo gente que na verdade não foi isso tudo ou que foi até fraca) e desprezam e desqualificam todas as outras. Lewis é uma exceção porque se tornou tão célebre que não pôde ser desqualificado, então eles tentam puxar pro lado deles, até porque é bem mais fácil fazer isso com quem já morreu e não tem como se defender. Na verdade, Lewis não chegou a defender a oração aos mortos (ou dos mortos), o que ele defendeu foi uma visão de "purgatório" (oração "pelos" mortos) que mesmo assim se distinguia do purgatório católico e era tomado na base da especulação, não como dogma. Quando ele falava de teologia, ele era bem firme em rebater o catolicismo, inclusive apresentando uma razão essencial pela qual ele jamais poderia se tornar católico, que ia além de qualquer doutrina em particular. O Bruno Lima trouxe algumas citações nesse artigo, vale a pena dar uma olhada:

      http://respostascristas.blogspot.com/2017/10/c-s-lewis-e-uma-simples-razao-para.html

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  6. Lucas, boa noite, viu ontem a Posse do Lula? Olha, sendo bem franco, assim que vi o nine fingers subindo aquela rampa e colocando aquela faixa presidencial eu pensei e cheguei na seguinte conclusão: o Brasil realmente não tem salvação! Entretanto, primeiramente, deixe-me explicar o que quis dizer: em 2016-18 estavam ocorrendo enormes manifestações contra o PT e o governo Dilma, o processo contra o Lula estava andando a passos largos e a Lava-Jato estava prendendo todos os corruptos de todos os partidos políticos e através da enorme pressão popular a Dilma foi impeachmada. Sem contar que finalmente a Direita brasileira estava ganhando relevância após 3 décadas de governos de esquerda ou de centro, além é claro da condenação e prisão do Lula (que estava preso, inelegível, impopular e sua imagem estava completamente destruída).

    Entretanto surge a figura do Bolsonaro, que surfou nessa onda conservadora e foi eleito presidente em 2018, Bolsonaro tinha literalmente de tudo para ser um bom presidente: amplo apoio no congresso (o cara não precisava nem mesmo do Centrão para governar) e um amplo apoio da população (o que poderia ter dado fôlego para que ele pudesse continuar com as reformas e garantir que a direita ficasse no poder por pelo menos uns 8 ou 16 anos), mas aí o cara faz o quê? Destrói a CPI da Lava-Toga, Nomeia um Petista na PGR, Nomeia dois garantistas para o STF, Vende a alma para o Centrão (tudo isso para livrar o filhinho bandido e rachador da cadeia) o cara fez literalmente tudo o que o PT queria porque senão o PT voltada! E como efeito colateral dessas decisões e omissões, o Lula foi solto, descondenado pelo STF e ganhou seus direitos políticos de volta.

    E só pra piorar um pouquinho mais a situação: o infeliz ainda por cima vilipendiou a vida de 700 mil brasileiros mortos na pandemia de COVID-19 dizendo que não era coveiro, que era uma gripezinha, que éramos um país de maricas, o que gerou um profundo ranço em grande parte da população de sua figura. Para você ter uma ideia, do quão longe ele havia ido, até mesmo o próprio Donald Trump criticou sua postura psicopata com relação à COVID. Todos esses fatores contribuíram para que o ladrão de 9 dedos voltasse com força total e reerguesse o zumbi petista do túmulo. Se o Nine Fingers voltou é porque devemos isso ao Bolsonaro, aos seus filhos bandidos e àquele filósofo sem credibilidade moribundo que atendi pelo nome de Olavo de Carvalho.

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  7. Agora que o Lula voltou, gostaria de saber sobre o que você acha de como nós podemos fazer uma oposição forte ao Lula?

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    1. Oi Elion, como vai? Embora eu concorde com tudo o que você comentou acima (sobre Lula, Bolsonaro e etc), eu prefiro não comentar sobre isso porque nessa nova fase do blog eu decidi me voltar exclusivamente aos temas teológicos e deixar a política de lado (não necessariamente de forma permanente, ainda não sei), por isso eu prefiro me abster de comentar política aqui, mas você pode continuar comentando aqui se quiser e expor seus pontos de vista políticos (que eu aprecio muito ler e compartilho de seus pensamentos), só não vou mais ficar comentando em cima porque do jeito que o país está polarizado isso levaria a intrigas nos comentários por razões totalmente desvirtuadas dos temas dos artigos, o que é desnecessário e ruim. Talvez quando o brasileiro voltar a ter um mínimo de civilidade e equilíbrio para discutir política eu volte a falar do assunto, mas por enquanto eu prefiro focar só na teologia mesmo.

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    2. Muito Obrigado pelo retorno, também muito obrigado pela enorme consideração por mim e pelas minhas análises. Sim, é triste que chegamos nesse ponto de extremismo político (não só no Brasil como também no mundo inteiro), também é triste o fato de isso ter feito você parar com os artigos de política. Entretanto, ainda assim, sempre que possível estarei aqui trazendo novidades a respeito do mundo político e jurídico. Mais uma vez, muito obrigado pela consideração. Abraço!

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  8. Jesus fundou sua Igreja: a Igreja de Cristo, não uma instituição, mas o conjunto de fiéis cristãos [1], a qual pertencem todos os cristãos batizados [2], seja católico, ortodoxo, protestante ou anglicano, pois a Igreja não é uma instituição, mas o conjunto dos que creem em Cristo. Essa Igreja de Cristo da qual todos os cristãos batizados fazem parte tem Jesus por cabeça (chefe supremo) [3].

    Quando a Igreja Católica chama a Igreja Ortodoxa de igreja irmã [4] ela reconhece que Jesus não fundou a Igreja Católica Apostólica Romana, mas que esta provém da Igreja de Cristo, assim como suas irmãs, a Igreja de Jerusalém, a Igreja de Antioquia, a Igreja de Alexandria, a Igreja de Constantinopla etc. Reconhece que não é a Igreja mãe, mas apenas uma de suas várias filhas.

    Quando a Igreja Católica oficialmente reconhece que o patriarca da Igreja Ortodoxa é, também, Pastor na Igreja de Cristo [5], claramente está reconhecendo que a Igreja de Cristo não é uma instituição encabeçada pelo papa, mas vai além. Afinal, se há somente uma única Igreja de Cristo, como podem o papa católico e o patriarca ortodoxo serem ambos pastores nessa única Igreja?

    Quando a Igreja Católica reconhece que todos os cristãos batizados são incorporados e pertencentes à única, verdadeira e mesma Igreja de Cristo, admite que a Igreja de Cristo é mais que uma instituição organizada, é a união dos fiéis em Cristo.

    Por fim, quando a Igreja Católica afirma expressamente ter consciência de que os luteranos e os cristãos das comunidades que vivem a mesma fé pertencem ao corpo místico de Cristo [6], que é a única e mesma Igreja de Cristo, admite que as razões para condenar a fé dos protestantes estão ultrapassadas! De fato, “não se pode culpar a alguém por seguir sua consciência quando foi formada pela Palavra de Deus e alcançou seu juízo após deliberação séria com outras pessoas.” (Do Conflito à Comunhão, 232).

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  9. Passo, agora, a postar os documentos da Igreja Católica que respaldam o que eu disse acima:

    1) A Igreja somos nós, a comunidade em todo o mundo dos que creem em Jesus:

    “751. A palavra ‘Igreja’ (‘ekklesía’, do verbo grego ‘ek-kalein’ = ‘chamar fora’) significa ‘convocação’. Designa as assembleias do povo em geral de carácter religioso. É o termo frequentemente utilizado no Antigo Testamento grego para a assembleia do povo eleito diante de Deus, sobretudo para a assembleia do Sinai, onde Israel recebeu a Lei e foi constituído por Deus como seu povo santo. AO CHAMAR-SE ‘IGREJA’, A PRIMEIRA COMUNIDADE DOS QUE ACREDITARAM EM CRISTO RECONHECE-SE HERDEIRA DESSA ASSEMBLEIA. Nela, Deus ‘convoca’ o seu povo de todos os confins da terra. O termo ‘Kyriakê’, de onde derivaram ‘church’, ‘Kirche’, significa ‘aquela que pertence ao Senhor’.

    752. Na linguagem cristã, a palavra ‘Igreja’ designa a assembleia litúrgica, mas também a comunidade local ou toda a comunidade universal dos crentes. Estes três significados são, de facto, inseparáveis. ‘A IGREJA’ É O POVO QUE DEUS REÚNE NO MUNDO INTEIRO. Ela existe nas comunidades locais e realiza-se como assembleia litúrgica, sobretudo eucarística. Vive da Palavra e do Corpo de Cristo, e é assim que ela própria se torna Corpo de Cristo.

    (Catecismo da Igreja Católica, 751 e 752)

    Fonte: https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p1s2cap3_683-1065_po.html

    2) Da única Igreja de Cristo fazem parte todos os cristãos batizados, mesmo os não católicos:

    “Os que hoje nascem em comunidades provenientes de tais rupturas, ‘e que vivem a fé de Cristo, não podem ser acusados do pecado da divisão. A Igreja Católica abraça-os com respeito e caridade fraterna [...]. JUSTIFICADOS PELA FÉ RECEBIDA NO BATISMO, INCORPORADOS EM CRISTO, É A JUSTO TÍTULO QUE SE HONRAM COM O NOME DE CRISTÃOS e os filhos da Igreja Católica reconhecem-nos legitimamente como irmãos no Senhor’.” (CIC 818)
    (Catecismo da Igreja Católica, 818)

    3) Jesus é o cabeça da Igreja:

    “(…) É ainda mais importante verificar que só nestas duas Cartas é confirmado o título de ‘cabeça’, kefalé, dado a Jesus Cristo. E este título é empregue num nível duplo. Num primeiro sentido, Cristo é entendido como cabeça da Igreja (cf. Cl 2, 18-19 e Ef 4, 15-16). Isto tem dois significados: o primeiro, que ele é o governante, o dirigente, o responsável que guia a comunidade cristã como seu chefe e Senhor (cf. Cl 1, 18): ‘Ele é a cabeça do Corpo, a Igreja’; e depois o outro significado é que ele é como a cabeça que alimenta e une todos os membros do corpo sobre o qual foi elegido (de facto, segundo Cl 2, 19) é preciso ‘manter-se vinculado à Cabeça, pela qual todo o corpo é alimentado e unido’): ou seja, não é só alguém que dá ordens, mas alguém que organicamente está unido a nós, do qual vem também a força de agir de modo recto.
    Nos dois casos, a Igreja é considerada submetida a Cristo, quer para seguir a sua orientação superior os mandamentos quer para receber todas as influências vitais que d'Ele promanam. Os seus ensinamentos não são palavras, mandamentos, mas forças vitais que provêm d'Ele e nos ajudam. (...)”
    (Papa Bento XVI, Audiência Geral, 2009)
    Fonte: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2009/documents/hf_ben-xvi_aud_20090114.html

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  10. 4) A Igreja Católica chama a Igreja Ortodoxa de “igrejas irmãs”:

    “9. As referências históricas expostas nos parágrafos precedentes mostram a importância que A EXPRESSÃO IGREJAS IRMÃS assumiu no diálogo ecumênico. Isso realça ainda mais a importância de um uso teologicamente correto da mesma.
    10. De fato, em sentido próprio, Igrejas irmãs são exclusivamente as Igrejas particulares (ou os agrupamentos de Igrejas particulares, como por exemplo os Patriarcados e as Metrópoles) entre si. Deverá resultar sempre claro, mesmo quando a expressão Igrejas irmãs é usada neste sentido próprio, que a Igreja Universal, una, santa, católica e apostólica, não é irmã mas mãe de todas as Igrejas particulares.
    11. PODE FALAR-SE DE IGREJAS IRMÃS EM SENTIDO PRÓPRIO, TAMBÉM EM REFERÊNCIA A IGREJAS PARTICULARES CATÓLICAS E NÃO CATÓLICAS. Assim, também a Igreja particular de Roma pode chamar-se irmã de todas as Igrejas particulares. Mas, como se observou, não se pode dizer propriamente que a Igreja Católica é irmã de uma Igreja particular ou grupo de Igrejas. Não se trata apenas de uma questão de terminologia, mas sobretudo de respeitar uma verdade fundamental da fé católica, que é a unicidade da Igreja de Jesus Cristo. Existe efetivamente uma única Igreja e, portanto, o plural Igrejas só se pode referir às Igrejas particulares.
    Por conseguinte, deve evitar-se como fonte de mal-entendidos e de confusão teológica o uso de fórmulas como “as nossas duas igrejas”, que insinuam-se aplicadas à Igreja católica e ao conjunto das Igrejas ortodoxas (ou a uma Igreja ortodoxa) – um plural não só a nível de Igrejas particulares, mas a nível da Igreja una, santa, católica e apostólica, professada no Credo e cuja existência real apareceria assim ofuscada.
    12. Enfim, há que ter presente também que a expressão Igrejas irmãs em sentido próprio, como testemunha a Tradição comum do Ocidente e do Oriente, só se pode aplicar exclusivamente às comunidades eclesiais que conservaram um Episcopado válido e uma Eucaristia válida.”
    (Texto da Congregação para a Doutrina da Fé assinado pelo então cardeal Joseph Ratzinger em junho de 2000)
    https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000630_chiese-sorelle_po.html

    5) O papa católico e o patriarca ortodoxo são reconhecidos mutuamente como Pastores na Igreja de Cristo:

    “O encontro fraterno realizado por nós, Bento XVI, Papa de Roma, e Bartolomeu I, Patriarca
    Ecumênico, é obra de Deus e além disso um dom que provém d'Ele. Demos graças ao Autor de
    todo o bem, que nos permite ainda uma vez, na oração e no intercâmbio, expressar a nossa
    alegria de sentirmo-nos irmãos e de renovar o nosso compromisso em vista da plena comunhão.
    Este compromisso provém-nos da vontade do nosso Senhor e da nossa responsabilidade de
    PASTORES NA IGREJA DE CRISTO. Possa o nosso encontro ser um sinal e um encorajamento para nós,
    a compartilharmos os mesmos sentimentos e as mesmas atitudes de fraternidade, de
    colaboração e de comunhão na caridade e na verdade. O Espírito Santo ajudar-nos-á a preparar
    o grande dia do restabelecimento da plena unidade, quando e como Deus o quiser. Então,
    poderemos alegrar-nos e exultar verdadeiramente.”
    (Declaração conjunta do papa Bento XVI e do patriarca Bartolomeu I em novembro-dezembro de 2006)
    https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2006/november/documents/hf_ben-xvi_spe_20061130_dichiarazione-comune.pdf

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  11. 6) Luteranos e demais protestantes pertencem ao único corpo de Cristo:

    “219. A Igreja é o corpo de Cristo. Assim como existe apenas um Cristo, assim também ele tem apenas um corpo. Pelo Batismo homens e mulheres se tornam membros desse corpo.
    220. O Concílio Vaticano II ensina que as pessoas batizadas e que creem em Cristo, mas não pertencem à Igreja Católica Romana, “foram justificadas pela fé no Batismo [e] são membros do corpo de Cristo, e têm direito de serem chamadas de cristãs, e são aceitas corretamente como irmãos pelos filhos da Igreja Católica” (UR, n. 1.3). Os cristãos luteranos dizem a mesma coisa de seus irmãos cristãos católicos.
    (…)
    “222. Por crerem que pertencem ao corpo único de Cristo, os luteranos enfatizam que sua igreja não nasceu na Reforma ou veio a existir há 500 anos. Estão convencidos, sim, de que as igrejas luteranas têm sua origem no evento de Pentecostes e na pregação dos Apóstolos. Suas igrejas receberam, no entanto, sua forma particular, pela doutrina e os esforços dos reformadores. Os reformadores não desejavam fundar uma nova igreja, e de acordo com sua compreensão, não o fizeram. Eles queriam reformar a igreja e eles o conseguiram no âmbito de sua influência, embora com erros e equívocos.”
    223. Como membros de um corpo único, católicos e luteranos rememoram juntos os eventos da Reforma que levou ao fato de viverem posteriormente em comunidades divididas, EMBORA AINDA PERTENÇAM A UM SÓ CORPO. Essa é uma possibilidade impossível e fonte de grande sofrimento. Porque pertencem ao mesmo corpo, católicos e luteranos lutam fazendo frente à divisão em busca da plena catolicidade da igreja. Essa luta tem dois lados: o reconhecimento daquilo que é comum e que une, e o reconhecimento daquilo que divide. O primeiro é motivo de gratidão e alegria; o segundo é motivo de sofrimento e lamento.”
    (...)
    “238. CATÓLICOS E LUTERANOS TÊM CONSCIÊNCIA DE QUE ELES E AS COMUNIDADES EM QUE VIVEM SUA FÉ PERTENCEM AO CORPO ÚNICO DE CRISTO. Está crescendo a consciência de que as lutas do século XVI estão superadas. AS RAZÕES PARA CONDENAR MUTUAMENTE A FÉ DO OUTRO ESTÃO ULTRAPASSADAS.”
    (Do Conflito à Comunhão – Relatório da Comissão Luterana–Católico-Romana para a Unidade, 1ª edição – 2015, edição conjunta da CNBB e da editora Sinodal)
    https://www.lutheranworld.org/sites/default/files/dtpw-from_conflict_to_communion_pt.pdf

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