Há mais ou menos duas semanas o Prof.
Carlos Alexandre Costa postou um react do meu react ao vídeo do
Henrique Caldeira sobre os “outros deuses na Bíblia”, onde este tenta encontrar resquícios
de politeísmo na Bíblia hebraica, mais particularmente em Deuteronômio 32:8 e
no Salmo 82 (embora ele só tenha respondido sobre Dt 32). Como eu já disse que
não responderei mais em formato de vídeo a canais pequenos que tentam crescer
às minhas custas, responderei neste artigo, o que além de tudo me poupa um
tempo muito grande em gravar e editar vídeo.
Como eu pressuponho que todos os
que leem este artigo estejam a par da discussão, não entrarei aqui nos detalhes
de tudo o que é debatido (você pode assistir aos dois vídeos se quiser). Basta
dizer que toda a teoria deles já parte de um pressuposto furado e antilógico de
que um redator sinistro teria a missão de excluir do Antigo Testamento todos os
textos politeístas que os hebreus supostamente acreditavam antes do cativeiro
babilônico ou do período persa, mas como esse redator era burro, ele deixou pra
trás alguns rastros de politeísmo que são os textos que os teólogos liberais
usam (especialmente esses dois).
Ou seja, em vez do redator
simplesmente apagar o Salmo 82 ou Deuteronômio 32:8, ele achou melhor deixar
ali mesmo, enquanto excluía da Bíblia textos similares igualmente politeístas
(Thomas Römer, o papa deles, chegou a inferir que entre esses textos constavam
imagens de Yahweh com Aserá no templo de Jerusalém!). E se você quer saber por
que o tal redator excluiu alguns textos para esconder o politeísmo hebreu e
deixou outros que revelavam o politeísmo hebreu, problema seu, os teólogos
liberais não te devem uma explicação (ok, eu roubei essa do Primeira Fila).
Comentando mais diretamente o
vídeo do meu “refutador”, ele passa o vídeo todo sem basicamente rebater um
único argumento, apenas repetindo e repetindo e repetindo à exaustão que “os
manuscritos do mar Morto dizem outra coisa”, e batendo nessa tecla até quebrá-la.
O que ele não percebeu (ou percebeu e preferiu ignorar) é que eu já tinha
comentado sobre isso no meu próprio vídeo. É só colocar no minuto 4:52 do
meu vídeo (em diante), onde eu digo:
“Todo o argumento dele vai se basear no fato de que os ‘filhos
de Israel’ aqui na verdade é uma tradução errada, porque os manuscritos do mar
Morto trazem ‘filhos de Deus’. Aí na cabeça dele esses filhos de Deus seriam as
divindades do paganismo... só que tem um problema, porque todo o CONTEXTO aqui
vai falar dos israelitas como sendo os filhos de Deus”
Ou seja, no meu vídeo eu lido
com a questão dos manuscritos do mar Morto e argumento que mesmo se o original
realmente dissesse “filhos de Deus”, é o CONTEXTO que define que “filhos de Deus”
são esses. Aí eu mostro todo o contexto apontando que esses “filhos de Deus”
são os próprios israelitas e não divindades do paganismo, e ele simplesmente
desdenha do argumento porque eu não citei dos manuscritos do mar Morto.
Pois bem: eu fui no mesmo site (este aqui) que ele
usou no vídeo (mas recortado segundo a conveniência dele), que mostra a
tradução dos manuscritos do mar Morto em inglês, e veja só que o que ele nos
traz:
Com a tradução automática pro
português:
Ou seja, na própria tradução dos
manuscritos de Qumran Deus é descrito como “seu pai”, dirigindo-se
especificamente aos israelitas, no contexto imediato que precede o
texto-chave onde aparecem os “filhos de Deus” – comprovando o que eu argumentei
no meu vídeo e que foi sumariamente ignorado por ele, de que no contexto os “filhos
de Deus” são o povo de Israel e não deuses pagãos. Como sempre, os teólogos
liberais precisam arrancar violentamente do contexto os textos que lhes convém,
comprovando a máxima de que “texto fora de contexto é pretexto pra heresia”.
É interessante também como
consta o verso 17 nos rolos de Qumran:
Traduzido:
Aqui, os deuses pagãos são
chamados de demônios, que “surgiram recentemente” (ou seja, que os
israelitas conheceram há pouco tempo). Um pouco adiante, no verso 21, lemos o seguinte:
Traduzido:
Aqui, vemos que esses deuses que
eles adoravam, provocando a ira de Yahweh, «não eram Deus», uma afirmação
difícil de ser mais inequívoca. Já no Rolo 4Q44, lemos o seguinte nos versos 37
ao 39:
Traduzido:
Dessa vez, a pergunta retórica «onde
estão os seus deuses?» faz supor que não estavam em lugar algum (justamente por
serem irreais), e como se isso não fosse suficientemente claro, o verso 39 declara
taxativamente que «não há deus comigo» (ou seja, que Yahweh é o único). Mais adiante, lemos o seguinte:
Traduzido:
A parte em vermelho é um
acréscimo que não consta no Texto Massorético, quando se diz «prostrem-se
diante dele, todos os deuses», porque ele vingaria o sangue dos «seus filhos». Como
podem os filhos de Deus serem esses mesmos deuses que são chamados de demônios
que se prostrariam diante dEle? Note que eles se prostrariam diante
dEle justamente porque Deus vingará o sangue dos seus filhos, então é
evidente que esses filhos não podem ser os mesmos deuses que motivaram a
vingança.
Diante de tudo o que vemos nos
próprios manuscritos do mar Morto – como exigiu o meu “refutador” –, como podem
esses mesmos deuses terem sua legitimidade reconhecida no verso 8 lado a lado
com Yahweh? Seria o maior absurdo, o maior disparate e o maior nonsense que
poderíamos imaginar. Mas o golpe final vem agora: dentro DOS PRÓPRIOS
MANUSCRITOS DO MAR MORTO existe um fragmento traduzido como “filhos de Israel”!
Nesse mesmo site que o meu “refutador” usou e que colocou na tela só o que
lhe convém, se ele se desse ao trabalho de acompanhar a leitura até o final,
veria que o Pergaminho 4Q45 diz o seguinte:
Traduzido:
Observe a perturbadora falta de
pesquisa (ou seria falta de honestidade?) de Henrique e Carlos, que repetiram
inúmeras vezes que “os manuscritos do mar Morto dizem ‘filhos de Deus’” como o
único argumento para a sua leitura, esquecendo-se convenientemente de dizer que há vários
pergaminhos de Deuteronômio encontrados nas cavernas de Qumran, e um deles traz
exatamente a mesma leitura do Texto Massorético!
No caso do professor que me “refutou”
o caso é ainda mais grave, porque ele usou esse mesmo site pra me refutar,
então o mínimo que se esperaria é que tivesse lido a página toda (que nem é
grande). Mas ou ele não leu nada, o que denuncia o quão superficial foi sua
pesquisa, ou leu, sabia disso, mas preferiu omitir essa informação crucial para
enganar seus espectadores. Em qualquer um dos casos é algo lamentável, embora
possamos dar o benefício da dúvida de que foi apenas uma pesquisa mal feita.
Em suma, temos a nosso favor: todo
o contexto, tanto do Texto Massorético como também dos manuscritos do
mar Morto, e um dos pergaminhos do mar Morto, que apresenta uma
leitura alternativa a um outro pergaminho do mar Morto que traz a leitura que
ele quer e exige a todo custo, contrariando tanto o Texto Massorético quanto uma
das variantes de Qumran. Assim, embora haja uma certa dúvida em relação à
tradução do verso 8 (se por “filhos de Israel” ou por “filhos de Deus”), o
contexto do próprio pergaminho de Qumran que traz a variante “filhos de Deus”
deixa claro que os “filhos de Deus” ali eram os israelitas e que os deuses das
nações são falsos, como eu expliquei no meu vídeo e mostrei novamente aqui com
mais embasamento.
Inclusive quando eu argumento no
vídeo que o verso 8 não dizia que o Altíssimo distribuía a herança “aos deuses”,
mas sim “às nações”, meu oponente respondeu dizendo que isso era o que o Texto
Massorético dizia (só porque eu tinha colocado na tela o TM), induzindo os leitores
mais néscios a pensarem que nos manuscritos do mar Morto é dito diferente, quando
até o pergaminho que ele usou pra defender a leitura alternativa (de “filhos de
Deus”) diz exatamente o mesmo em relação a isso:
Traduzido:
Antes que alguém objete que
algumas palavras ali aparecem em verde, eles próprios explicam que essas palavras
em verde são palavras que tem alguma diferença ortográfica, mas que não alteram
em nada o significado:
O restante do vídeo dele é de
uma tristeza lamentável. Ele simplesmente encerra o vídeo abruptamente,
cortando a minha fala bem na parte em que eu mostrava os muitos textos bíblicos
(inclusive do próprio Deuteronômio) onde Yahweh é retratado como o Deus supremo
que domina sobre todas as nações (e não uma divindade subordinada com
jurisdição limitada), mas é de se compreender, pois se ele tem dificuldade em
lidar com o contexto do próprio versículo em questão, imagine com o contexto
mais geral das Escrituras. Toda essa “refutação” ao meu vídeo é apenas uma
grande prova de que teólogo liberal foge mais do contexto do que o diabo foge
da cruz.
No mais, foram feitas apenas
algumas contestações jocosas a questões periféricas com puro ataque a espantalho,
como quando eu cito a NVI apenas para dizer que ela captou o correto sentido
do texto, e ele distorce as minhas palavras para dar a entender que eu
estava citando a NVI por ser a melhor tradução do mundo, ou quando eu cito o
comentário de Matthew Henry com a mesma finalidade didática, e ele interpreta
como um argumento de autoridade. Mesmo que fosse um argumento de autoridade, a
resposta dele foi a pior possível: ele era confessional, portanto está errado!
Em outras palavras, só quem tem
o direito de interpretar a Bíblia na visão dele são ateus e outros descrentes
na Bíblia que a leem apenas para criticá-la (e pra tentar encontrar pelo em
ovo). Se você é um cristão e acredita na Bíblia, nem ouse interpretá-la! Deve
ser o único livro já escrito na história que só quem tem o direito de estudá-lo
são seus detratores. Na cabeça desse tipo de gente, quem notoriamente odeia
esse livro e manifesta sempre e a todo momento esse ódio (como Fabio Sabino e
Antonio Miranda) podem interpretar a Bíblia, mas estudiosos muito mais
qualificados que eles não podem, só porque são cristãos.
É por causa desse preconceito que
eles se mantém fechados numa bolha citando apenas seus próprios
correligionários como “autoridade”, uma vez que qualquer um que discorde deles
é automaticamente cancelado e taxado de “fundamentalista”. Não admira que parte
significativa do vídeo dele seja apenas apresentando livros (de liberais, é
claro) que falam sobre o assunto, que é o mesmo que um terraplanista apresentar
livros de outros terraplanistas que concordam com ele e bater o martelo sobre o
assunto, já que qualquer visão que discorde da deles é automaticamente
descartada e jogada na lata do lixo.
Isso explica por que os
argumentos dele são tão ruins, mesmo tendo uma bibliografia tão ampla que
poderia usar a seu favor: toda essa bibliografia que impressiona um leigo sem
conhecimento é pura panfletagem ideológica baseada quase que exclusivamente em
achismos e especulação barata, e quase nada baseado em evidências de qualquer
tipo. No ano passado eu fiz uma resenha crítica do livro mais usado por esse
pessoal (“A Origem de Javé”, do papa Römer), que você pode conferir aqui,
onde você pode ver que o próprio autor admite que sua tese é «amplamente
especulativa», e mesmo assim é citada por liberais de youtube como uma prova
cabal da teoria deles.
É por isso que eles estão sempre cheios de referências bibliográficas e vazios de argumentos, já que os livros que eles se baseiam são eles próprios totalmente vazios. No fim das contas, o que lhes resta é citar uns aos outros como "autoridade": a "prova" de que certo acadêmico liberal está correto é porque ele é corroborado por outros acadêmicos liberais, e a evidência que se lasque. Quando muito, o que eles têm é o mesmo tipo de porcaria que examinamos aqui: um único versículo arrancado grosseiramente do contexto, terrivelmente mal interpretado e refutado por suas próprias fontes.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
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Artigo muito bom Lucas, só tenho uma dúvida: você pegou o verso que diz "alegrai-vos, nações, céus, com o seu povo, e prostrem-se... porque ele vingará o sangue dos filhos de seus servos..." e comenta "quando se diz «prostrem-se diante dele, todos os deuses», porque ele vingaria o sangue dos «seus filhos». Como podem os filhos de Deus serem esses mesmos deuses que são chamados de demônios que se prostrariam diante dEle?"
ResponderExcluirVocê parece entender que os "filhos de seus servos" são os filhos de Deus, mas o texto não diz "seus filhos", ele parece estar se referindo ao povo de israel( Filhos de seus servos), não é isso? Não sei se você fez essa confusão devido ao horário ou eu que não entendi.
Banzoli, parabéns pelo artigo de refutação. Achei excelente os seus comentários. O curioso é que o contexto refuta o cara kkkk ou seja, a refutação ao argumento dele está na proópria fonte utilizada em alguns versículos mais abaixo. O mínimo que esses pseudo-intelectuais deveriam fazer é ultrapassar a barreira hermeneutica e exegética!! Mais uma vez vemos a importância do jargão teológico "texto fora de contexto gera pretexto". Deus te abençoe irmão fica na paz do Senhor Jesus Cristo!!!
ResponderExcluirParabéns, Lucas! Esse Carlos é aquele velho suco da teologia liberal, não atoa vive citando Römer, Finkelstein, etc., o própio contexto dos Manuscritos traem a hipótese deles! 😅 Rapaz, faz um ano que tu prometeu a segunda parte da tua refutação contra «A Origem de Javé», ainda mantém os planos para fazer? Que seja o golpe final.
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