5 de junho de 2025

3 Resposta ao Prof. Carlos Alexandre Costa: Deuteronômio 32:8 prova o politeísmo na Bíblia hebraica?


Há mais ou menos duas semanas o Prof. Carlos Alexandre Costa postou um react do meu react ao vídeo do Henrique Caldeira sobre os “outros deuses na Bíblia”, onde este tenta encontrar resquícios de politeísmo na Bíblia hebraica, mais particularmente em Deuteronômio 32:8 e no Salmo 82 (embora ele só tenha respondido sobre Dt 32). Como eu já disse que não responderei mais em formato de vídeo a canais pequenos que tentam crescer às minhas custas, responderei neste artigo, o que além de tudo me poupa um tempo muito grande em gravar e editar vídeo.
 
Como eu pressuponho que todos os que leem este artigo estejam a par da discussão, não entrarei aqui nos detalhes de tudo o que é debatido (você pode assistir aos dois vídeos se quiser). Basta dizer que toda a teoria deles já parte de um pressuposto furado e antilógico de que um redator sinistro teria a missão de excluir do Antigo Testamento todos os textos politeístas que os hebreus supostamente acreditavam antes do cativeiro babilônico ou do período persa, mas como esse redator era burro, ele deixou pra trás alguns rastros de politeísmo que são os textos que os teólogos liberais usam (especialmente esses dois).
 
Ou seja, em vez do redator simplesmente apagar o Salmo 82 ou Deuteronômio 32:8, ele achou melhor deixar ali mesmo, enquanto excluía da Bíblia textos similares igualmente politeístas (Thomas Römer, o papa deles, chegou a inferir que entre esses textos constavam imagens de Yahweh com Aserá no templo de Jerusalém!). E se você quer saber por que o tal redator excluiu alguns textos para esconder o politeísmo hebreu e deixou outros que revelavam o politeísmo hebreu, problema seu, os teólogos liberais não te devem uma explicação (ok, eu roubei essa do Primeira Fila).
 
Comentando mais diretamente o vídeo do meu “refutador”, ele passa o vídeo todo sem basicamente rebater um único argumento, apenas repetindo e repetindo e repetindo à exaustão que “os manuscritos do mar Morto dizem outra coisa”, e batendo nessa tecla até quebrá-la. O que ele não percebeu (ou percebeu e preferiu ignorar) é que eu já tinha comentado sobre isso no meu próprio vídeo. É só colocar no minuto 4:52 do meu vídeo (em diante), onde eu digo:
 
“Todo o argumento dele vai se basear no fato de que os ‘filhos de Israel’ aqui na verdade é uma tradução errada, porque os manuscritos do mar Morto trazem ‘filhos de Deus’. Aí na cabeça dele esses filhos de Deus seriam as divindades do paganismo... só que tem um problema, porque todo o CONTEXTO aqui vai falar dos israelitas como sendo os filhos de Deus”
 
Ou seja, no meu vídeo eu lido com a questão dos manuscritos do mar Morto e argumento que mesmo se o original realmente dissesse “filhos de Deus”, é o CONTEXTO que define que “filhos de Deus” são esses. Aí eu mostro todo o contexto apontando que esses “filhos de Deus” são os próprios israelitas e não divindades do paganismo, e ele simplesmente desdenha do argumento porque eu não citei dos manuscritos do mar Morto.
 
Pois bem: eu fui no mesmo site (este aqui) que ele usou no vídeo (mas recortado segundo a conveniência dele), que mostra a tradução dos manuscritos do mar Morto em inglês, e veja só que o que ele nos traz:
 
 
Com a tradução automática pro português:
 
 
Ou seja, na própria tradução dos manuscritos de Qumran Deus é descrito como “seu pai”, dirigindo-se especificamente aos israelitas, no contexto imediato que precede o texto-chave onde aparecem os “filhos de Deus” – comprovando o que eu argumentei no meu vídeo e que foi sumariamente ignorado por ele, de que no contexto os “filhos de Deus” são o povo de Israel e não deuses pagãos. Como sempre, os teólogos liberais precisam arrancar violentamente do contexto os textos que lhes convém, comprovando a máxima de que “texto fora de contexto é pretexto pra heresia”.
 
É interessante também como consta o verso 17 nos rolos de Qumran:
 
 
Traduzido:
 
 
Aqui, os deuses pagãos são chamados de demônios, que “surgiram recentemente” (ou seja, que os israelitas conheceram há pouco tempo). Um pouco adiante, no verso 21, lemos o seguinte:
 
 
Traduzido:
 
 
Aqui, vemos que esses deuses que eles adoravam, provocando a ira de Yahweh, «não eram Deus», uma afirmação difícil de ser mais inequívoca. Já no Rolo 4Q44, lemos o seguinte nos versos 37 ao 39:
 
 
Traduzido:
 
 
Dessa vez, a pergunta retórica «onde estão os seus deuses?» faz supor que não estavam em lugar algum (justamente por serem irreais), e como se isso não fosse suficientemente claro, o verso 39 declara taxativamente que «não há deus comigo» (ou seja, que Yahweh é o único). Mais adiante, lemos o seguinte:
 
 
Traduzido:
 
 
A parte em vermelho é um acréscimo que não consta no Texto Massorético, quando se diz «prostrem-se diante dele, todos os deuses», porque ele vingaria o sangue dos «seus filhos». Como podem os filhos de Deus serem esses mesmos deuses que são chamados de demônios que se prostrariam diante dEle? Note que eles se prostrariam diante dEle justamente porque Deus vingará o sangue dos seus filhos, então é evidente que esses filhos não podem ser os mesmos deuses que motivaram a vingança.
 
Diante de tudo o que vemos nos próprios manuscritos do mar Morto – como exigiu o meu “refutador” –, como podem esses mesmos deuses terem sua legitimidade reconhecida no verso 8 lado a lado com Yahweh? Seria o maior absurdo, o maior disparate e o maior nonsense que poderíamos imaginar. Mas o golpe final vem agora: dentro DOS PRÓPRIOS MANUSCRITOS DO MAR MORTO existe um fragmento traduzido como “filhos de Israel”! Nesse mesmo site que o meu “refutador” usou e que colocou na tela só o que lhe convém, se ele se desse ao trabalho de acompanhar a leitura até o final, veria que o Pergaminho 4Q45 diz o seguinte:
 
 
Traduzido:
 

Observe a perturbadora falta de pesquisa (ou seria falta de honestidade?) de Henrique e Carlos, que repetiram inúmeras vezes que “os manuscritos do mar Morto dizem ‘filhos de Deus’” como o único argumento para a sua leitura, esquecendo-se convenientemente de dizer que há vários pergaminhos de Deuteronômio encontrados nas cavernas de Qumran, e um deles traz exatamente a mesma leitura do Texto Massorético!
 
No caso do professor que me “refutou” o caso é ainda mais grave, porque ele usou esse mesmo site pra me refutar, então o mínimo que se esperaria é que tivesse lido a página toda (que nem é grande). Mas ou ele não leu nada, o que denuncia o quão superficial foi sua pesquisa, ou leu, sabia disso, mas preferiu omitir essa informação crucial para enganar seus espectadores. Em qualquer um dos casos é algo lamentável, embora possamos dar o benefício da dúvida de que foi apenas uma pesquisa mal feita.
 
Em suma, temos a nosso favor: todo o contexto, tanto do Texto Massorético como também dos manuscritos do mar Morto, e um dos pergaminhos do mar Morto, que apresenta uma leitura alternativa a um outro pergaminho do mar Morto que traz a leitura que ele quer e exige a todo custo, contrariando tanto o Texto Massorético quanto uma das variantes de Qumran. Assim, embora haja uma certa dúvida em relação à tradução do verso 8 (se por “filhos de Israel” ou por “filhos de Deus”), o contexto do próprio pergaminho de Qumran que traz a variante “filhos de Deus” deixa claro que os “filhos de Deus” ali eram os israelitas e que os deuses das nações são falsos, como eu expliquei no meu vídeo e mostrei novamente aqui com mais embasamento.
 
Inclusive quando eu argumento no vídeo que o verso 8 não dizia que o Altíssimo distribuía a herança “aos deuses”, mas sim “às nações”, meu oponente respondeu dizendo que isso era o que o Texto Massorético dizia (só porque eu tinha colocado na tela o TM), induzindo os leitores mais néscios a pensarem que nos manuscritos do mar Morto é dito diferente, quando até o pergaminho que ele usou pra defender a leitura alternativa (de “filhos de Deus”) diz exatamente o mesmo em relação a isso:
 
 
Traduzido:
 
 
Antes que alguém objete que algumas palavras ali aparecem em verde, eles próprios explicam que essas palavras em verde são palavras que tem alguma diferença ortográfica, mas que não alteram em nada o significado:
 
 
O restante do vídeo dele é de uma tristeza lamentável. Ele simplesmente encerra o vídeo abruptamente, cortando a minha fala bem na parte em que eu mostrava os muitos textos bíblicos (inclusive do próprio Deuteronômio) onde Yahweh é retratado como o Deus supremo que domina sobre todas as nações (e não uma divindade subordinada com jurisdição limitada), mas é de se compreender, pois se ele tem dificuldade em lidar com o contexto do próprio versículo em questão, imagine com o contexto mais geral das Escrituras. Toda essa “refutação” ao meu vídeo é apenas uma grande prova de que teólogo liberal foge mais do contexto do que o diabo foge da cruz.
 
No mais, foram feitas apenas algumas contestações jocosas a questões periféricas com puro ataque a espantalho, como quando eu cito a NVI apenas para dizer que ela captou o correto sentido do texto, e ele distorce as minhas palavras para dar a entender que eu estava citando a NVI por ser a melhor tradução do mundo, ou quando eu cito o comentário de Matthew Henry com a mesma finalidade didática, e ele interpreta como um argumento de autoridade. Mesmo que fosse um argumento de autoridade, a resposta dele foi a pior possível: ele era confessional, portanto está errado!
 
Em outras palavras, só quem tem o direito de interpretar a Bíblia na visão dele são ateus e outros descrentes na Bíblia que a leem apenas para criticá-la (e pra tentar encontrar pelo em ovo). Se você é um cristão e acredita na Bíblia, nem ouse interpretá-la! Deve ser o único livro já escrito na história que só quem tem o direito de estudá-lo são seus detratores. Na cabeça desse tipo de gente, quem notoriamente odeia esse livro e manifesta sempre e a todo momento esse ódio (como Fabio Sabino e Antonio Miranda) podem interpretar a Bíblia, mas estudiosos muito mais qualificados que eles não podem, só porque são cristãos.
 
É por causa desse preconceito que eles se mantém fechados numa bolha citando apenas seus próprios correligionários como “autoridade”, uma vez que qualquer um que discorde deles é automaticamente cancelado e taxado de “fundamentalista”. Não admira que parte significativa do vídeo dele seja apenas apresentando livros (de liberais, é claro) que falam sobre o assunto, que é o mesmo que um terraplanista apresentar livros de outros terraplanistas que concordam com ele e bater o martelo sobre o assunto, já que qualquer visão que discorde da deles é automaticamente descartada e jogada na lata do lixo.
 
Isso explica por que os argumentos dele são tão ruins, mesmo tendo uma bibliografia tão ampla que poderia usar a seu favor: toda essa bibliografia que impressiona um leigo sem conhecimento é pura panfletagem ideológica baseada quase que exclusivamente em achismos e especulação barata, e quase nada baseado em evidências de qualquer tipo. No ano passado eu fiz uma resenha crítica do livro mais usado por esse pessoal (“A Origem de Javé”, do papa Römer), que você pode conferir aqui, onde você pode ver que o próprio autor admite que sua tese é «amplamente especulativa», e mesmo assim é citada por liberais de youtube como uma prova cabal da teoria deles.

É por isso que eles estão sempre cheios de referências bibliográficas e vazios de argumentos, já que os livros que eles se baseiam são eles próprios totalmente vazios. No fim das contas, o que lhes resta é citar uns aos outros como "autoridade": a "prova" de que certo acadêmico liberal está correto é porque ele é corroborado por outros acadêmicos liberais, e a evidência que se lasque. Quando muito, o que eles têm é o mesmo tipo de porcaria que examinamos aqui: um único versículo arrancado grosseiramente do contexto, terrivelmente mal interpretado e refutado por suas próprias fontes. 

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (youtube.com/LucasBanzoli)

ATENÇÃO: Sua colaboração é importante! Por isso, se você curtiu o artigo, nos ajude divulgando aos seus amigos e compartilhando em suas redes sociais (basta clicar nos ícones abaixo), e comente abaixo o que você achou!

3 comentários:

  1. Artigo muito bom Lucas, só tenho uma dúvida: você pegou o verso que diz "alegrai-vos, nações, céus, com o seu povo, e prostrem-se... porque ele vingará o sangue dos filhos de seus servos..." e comenta "quando se diz «prostrem-se diante dele, todos os deuses», porque ele vingaria o sangue dos «seus filhos». Como podem os filhos de Deus serem esses mesmos deuses que são chamados de demônios que se prostrariam diante dEle?"
    Você parece entender que os "filhos de seus servos" são os filhos de Deus, mas o texto não diz "seus filhos", ele parece estar se referindo ao povo de israel( Filhos de seus servos), não é isso? Não sei se você fez essa confusão devido ao horário ou eu que não entendi.

    ResponderExcluir
  2. Banzoli, parabéns pelo artigo de refutação. Achei excelente os seus comentários. O curioso é que o contexto refuta o cara kkkk ou seja, a refutação ao argumento dele está na proópria fonte utilizada em alguns versículos mais abaixo. O mínimo que esses pseudo-intelectuais deveriam fazer é ultrapassar a barreira hermeneutica e exegética!! Mais uma vez vemos a importância do jargão teológico "texto fora de contexto gera pretexto". Deus te abençoe irmão fica na paz do Senhor Jesus Cristo!!!

    ResponderExcluir
  3. Parabéns, Lucas! Esse Carlos é aquele velho suco da teologia liberal, não atoa vive citando Römer, Finkelstein, etc., o própio contexto dos Manuscritos traem a hipótese deles! 😅 Rapaz, faz um ano que tu prometeu a segunda parte da tua refutação contra «A Origem de Javé», ainda mantém os planos para fazer? Que seja o golpe final.

    ResponderExcluir

Fique à vontade para deixar seu comentário, sua participação é importante e será publicada e respondida após passar pela moderação. Todas as dúvidas e observações educadas são bem-vindas, mesmo que não estejam relacionadas ao tema do artigo, mas comentários que faltem com o respeito não serão publicados.

*Comentários apenas com links não serão publicados, em vez disso procure resumir o conteúdo dos mesmos.

*Identifique-se através da sua conta Google de um modo que seja possível distingui-lo dos demais, evitando o uso do anonimato.