16 de março de 2024

10 A (verdadeira) origem de Yahweh – Crítica ao livro de Thomas Römer (Parte 1)


*Nota introdutória: Originalmente, a ideia era postar o artigo inteiro de uma vez só, mas como essa primeira parte ficou bem maior que eu imaginava, com quase 60 páginas, decidi postar aqui em separado e deixar para postar o restante quando acabar de escrever. Boa leitura!
 
***
 
Recentemente tive dois debates com o ateu Vinícius Sena, onde abordamos, entre outros assuntos, a origem de Yahweh (que se você não viu, pode assistir aqui e aqui). Nos dois debates (principalmente no segundo) ele citou tantas vezes o filólogo alemão Thomas Römer que eu até perdi as contas, mas provavelmente foi mais do que o Galvão disse “lá vem eles de novo” em 2014. Fiquei com a impressão de que Römer é o papa dos teólogos liberais, escrevendo do alto de sua cátedra de infalibilidade. Essa impressão foi confirmada após o meu debatedor ir chorar as mágoas cinco minutos após o debate no canal de certo professorzinho da caverna que passou 4h espumando pela boca ataques à minha pessoa e, é claro, citando Thomas Römer.
 
O leitor que me acompanha há mais tempo sabe que eu nunca me importei em refutar as teorias liberais, porque elas são tão estupidamente esdrúxulas que para refutá-las não é preciso uma extensa bibliografia, basta ter um cérebro e saber usá-lo. Isso porque virtualmente todos os argumentos deles se baseiam em pressupostos absurdos e na distorção pavorosa de textos bíblicos, o que ficou claro nos debates quando ele tentou usar a Bíblia para endossar suas opiniões delirantes. Como qualquer pessoa que saiba interpretar um texto simples já está apta a refutá-los, nunca julguei importante me dar ao trabalho de elaborar uma resenha crítica aos seus autores. A única razão por que abri uma exceção ao livro de Römer é porque um papa tem lá seus privilégios.
 
Em poucas linhas, a tese que Römer defende em seu tão aclamado livro “A Origem de Javé” (que tem um título um tanto quanto mais pretensioso na versão original francesa, “L'invention de Dieu”) é que YHWH é um deus importado de Edom, Midiã ou de tribos nômades do deserto do Egito (ele realmente não se decide), que originalmente era mais um entre vários deuses adorados pelos israelitas, um deus da tempestade e da guerra que estava abaixo do deus supremo El e que tinha uma consorte chamada Aserá, mas que com o passar do tempo foi alcançando um status cada vez maior até ser alçado a “deus único”, no período persa.
 
Como um bom teólogo liberal adepto do método histórico-crítico (que já parte do pressuposto que a Bíblia é uma fraude e que intervenções sobrenaturais são impossíveis), ele sempre se refere a Deus com “d” minúsculo e nunca escreve “a.C” ou “d.C” (em vez de “antes de Cristo”, ele prefere “antes da era comum”... que se inicia em Cristo). Mas, afinal, teria Römer boas evidências em favor de sua tese para ser tão exaustivamente citado como autoridade no assunto?
 
Antes de entrarmos no mérito da questão, creio ser preciso discutir primeiro se os ateus que o citam estão citando direito. Isso porque eles cometem dois erros graves ao citar Römer: em primeiro lugar, tomam como certeza aquilo que para Römer é apenas uma hipótese razoável (uma especulação, em suas próprias palavras), e em segundo, ignoram completamente os trechos em que mesmo ele – como liberal e crítico da Bíblia – rechaça várias teorias conspiratórias populares no meio anticristão de internet e endossa a historicidade de muitos relatos bíblicos (ainda que tenha as suas próprias conspirações que não ficam por menos).  
 
 
• O Antigo Testamento é um “conto da carochinha”?
 
David Ribeiro, um militante ateu com quem também debati recentemente (veja aqui), é um dos que afirmam que a Bíblia “é um conto da carochinha, da Idade do Bronze, que não serve pra nada” (às 4h e 7m dessa live). Ele é seguido de perto por uma legião de ateus que atacam a Bíblia nos mesmos termos – “conto da carochinha”, “Idade do Bronze” e “gibíblia” fazem parte do vocabulário cotidiano deles. A ideia é que a Bíblia, sobretudo o Antigo Testamento, é pura invenção, uma fábula, um conto de fadas não essencialmente diferente das estórias da Branca de Neve, da Cinderela ou dos Três Porquinhos.
 
Não é isso o que Römer defende. Apesar dele já partir do pressuposto de que a Bíblia é um livro humano cheio de falhas e retoques, ele está longe de fazer coro à narrativa de que tudo ali é inventado, como pensam aqueles que o citam inadvertidamente. Contra aqueles que pensam que as histórias da Bíblia foram frutos da súbita imaginação de alguém em algum momento, ele escreve:
 
Ao falar de "invenção de Deus", não imaginamos que alguns beduínos se reuniram, um dia, num oásis, para criar seu deus ou que, mais tarde, escribas forjaram integralmente Javé como um deus tutelar. Deve-se, de preferência, compreender essa “invenção” como uma construção progressiva proveniente de tradições sedimentadas cuja história desordenou os estratos até fazer emergir uma forma inédita.[1]
 
Ele critica a «posição minimalista» (de que tudo na Bíblia é falso a priori) justamente porque “a posição minimalista despreza o fato de que os textos bíblicos, por mais ideológicos que sejam, podem, entretanto, guardar traços de acontecimentos históricos e de tradições antigas”[2]. Portanto, o que ele defende não é que um bando de inescrupulosos se reuniu num determinado dia e começou a pensar nas estórias que poderia inventar, mas que as histórias da Bíblia provêm de «acontecimentos históricos e de tradições antigas» que foram sendo transmitidas adiante geração a geração e de certa forma preservadas na memória popular.
 
Como veremos mais adiante, ele crê que parte desses relatos foram manipulados pelos redatores, mas isso não significa que para ele as histórias do AT não tenham ao menos um fundo de verdade. Nem mesmo Moisés, aquele que é o mais ridicularizado e tratado como puro mito pelos conspiracionistas que se apoiam em Römer, tem sua historicidade abertamente rejeitada pelo mesmo. Mais uma vez, ele recorre ao “fundo de verdade” e diz que
 
a narrativa da fuga e da acolhida entre os midianitas é muito romanceada, e é difícil reconstruir um acontecimento histórico por trás desse episódio. Ele se baseia, talvez, sobre uma lembrança histórica da importância dos midianitas e de um contato estreito entre eles e Moisés.[3]
 
Mas como poderia haver uma «lembrança histórica» de um «contato estreito» entre os midianitas e Moisés se este é apenas o fruto da pena de um redator escrevendo um milênio mais tarde? Em outro momento, Römer volta a trabalhar com a possibilidade da historicidade de Moisés quando diz que “Moisés foi, talvez, o chefe de um grupo de apiru que, saído do Egito, encontrou YHWH em Midiã e o deu a conhecer, em seguida, a outras tribos do sul”[4]. Aqui vemos novamente o caráter altamente especulativo de suas conclusões, algo que norteia o livro como um todo.
 
Curiosamente, nas poucas vezes em que Römer afirma algo que não seja em caráter especulativo, é quando fala das descobertas arqueológicas que comprovam a Bíblia – ou pelo menos trechos dela, como ele prefere entender. Em mais um belo contraste com a teoria do “conto da carochinha”, ele alega que um “bom número de acontecimentos relatados nos livros dos Reis se encontra, com outra perspectiva, nos anais ou inscrições assírias e babilônicas”[5]. Também escreve que há
 
numerosos traços nas narrativas dos livros de Samuel e dos Reis que não podem ser pura invenção. A passagem do Ferro I para o Ferro II (a partir de cerca de 1000 antes de nossa era) coincide com a origem dos reinos no Levante (Moabe, Amon, os reinos aramaicos). O fato de que o nascimento de um “reino israelita” se dê na zona de influência dos filisteus é, certamente, um dado histórico.[6]
 
Note que estamos falando de eventos que, para ele, só foram colocados por escrito mais de meio milênio mais tarde, e mesmo assim preservam com exatidão os fatos históricos que podem ser corroborados em fontes externas à Bíblia. Um dos que são mais bem corroborados historicamente é o rei Ezequias, que reinou por três décadas no reino do sul a partir de 715 a.C. Römer assegura que “o progresso de Jerusalém começa sob o rei Ezequias, a quem a Bíblia atribui numerosas obras atestadas pela arqueologia, como o famoso túnel de Siloé”[7].
 
Outra comprovação arqueológica relacionada a Ezequias é sua guerra com Senaqueribe, o rei da Assíria, narrada em vários capítulos de três livros diferentes (2º Reis 18-19, 2º Crônicas 32 e Isaías 36-37):
 
Em 701, Senaqueribe empreende uma campanha contra a Palestina, que é muito bem atestada, no plano arqueológico, especialmente em Laquis. Além do mais, os relevos assírios em Nínive põem em cena o cerco e a queda de Laquis. Outros testemunhos são os anais de Senaqueribe, os oráculos nos livros de Isaías e duas narrativas diferentes do cerco abortado de Jerusalém no segundo livro dos Reis (v. 18-20).[8]
 
Nos anais de Senaqueribe, lemos que «quanto a ele [Ezequias], eu o aprisionei em Ursalimmu, sua cidade real, como um pássaro na sua gaiola... eu suprimi de sua terra as cidades que eu tinha saqueado... e eu reduzi sua terra». Diante disso, Römer comenta que
 
essa inscrição admite que Jerusalém não foi conquistada, o que na narrativa bíblica é explicado por uma intervenção miraculosa de YHWH. Em troca, numerosas cidades foram tomadas, especialmente a cidade de Laquis. Os anais e o texto bíblico concordam com a afirmação de que Ezequias teve de pagar um pesado tributo que, segundo a Bíblia, implica até a destruição de certas portas do templo de Jerusalém (2Rs 18:13-16).[9]
 
Até mesmo o discurso do comandante assírio às portas de Jerusalém, tão destacado nos textos bíblicos, também é atestada historicamente, segundo Römer:
 
Segundo a narrativa bíblica, um alto funcionário assírio tinha em mãos, por ocasião do cerco de Jerusalém, um discurso de propaganda diante da porta de Jerusalém, o que pode corresponder a uma prática assíria real, tal como é atestada em um relevo que mostra um personagem em um carro, segurando um rolo contendo, sem dúvida, o discurso a ser lido para os habitantes da cidade.[10]
 
Observe como todos os detalhes do relato bíblico se encaixam perfeitamente com o registro histórico: em ambos, Senaqueribe consegue conquistar Laquis e outras cidades do sul, exige um pesado tributo de Ezequias, cerca Jerusalém mas não chega a conquistá-la, e anuncia o que faria à cidade através do discurso público de um comandante real. Além disso, em ambos os casos somos informados que o cerco à cidade fracassou e que o exército assírio pereceu misteriosamente, o que é atribuído na Bíblia a uma intervenção divina, e nas fontes históricas[11] a uma praga que dizimou o exército.
 
Sem querer ser repetitivo, estamos falando aqui de eventos que ocorreram séculos antes do suposto “redator” passar por escrito baseado apenas na “tradição oral”, uma coisa incrível, para dizer o mínimo. Até mesmo a popularidade do Egito em Judá no século VIII, afirmada em muitos textos bíblicos e no próprio discurso do comandante assírio (2Rs 18:21), é “atestada por um importante número de sinetes egípcios”[12], de acordo com Römer. Ele também acredita na historicidade da reforma de Josias, contrariando muitos de seus pares, a qual aliás está na base de sua teoria sobre quando YHWH foi lançado ao patamar de Deus único:
 
E a famosa reforma de Josias? Trata-se de pura ficção dos redatores bíblicos, como afirmam inúmeros exegetas? É verdade que não temos provas de primeira mão de qualquer “reforma josiânica” atestando a existência de uma reorganização política ou cultual. Existe, entretanto, um número muito importante de indícios que tornam muito plausível o fato de que o reinado de Josias corresponde a mudanças maiores relativas à veneração de YHWH.[13]
 
No final do livro de 2º Reis, lemos que Joaquim, rei de Judá, foi levado em cativeiro para a Babilônia (2Rs 24:11-15), e Römer diz que “um documento babilônico menciona rações de alimento para o rei Joaquim, prisioneiro do rei da Babilônia”[14]. A própria conquista babilônica de Jerusalém, bem como a deportação do povo, são bem atestadas arqueologicamente:
 
Em 587, os babilônicos se apossam de Jerusalém, destroem a cidade e o templo, e decretam uma segunda vaga de deportação. Instalam Gedalias como governador em Masfa, em Benjamim. A arqueologia apresenta traços de destruições importantes no território de Judá, bem como significativa diminuição da população.[15]
 
Da mesma forma, após a deportação do reino do norte para a Assíria, a Bíblia diz que o culto a YHWH continuou em Samaria apesar da adoração a outros deuses (2Rs 17:41), que é precisamente o que foi confirmado pelos arqueólogos:
 
No texto de 2Rs 17, Betel designa claramente o santuário do antigo reino do norte. O autor dessa passagem admite que o culto de YHWH continua em Samaria, malgrado a importação de outas divindades, algumas das quais são difíceis de ser identificadas. Infelizmente temos muito poucas informações, e as fontes de que dispomos parecem muitas vezes sob forma polêmica. Mas a existência de um santuário javista no monte Garizim, que é atestado arqueologicamente desde a época persa, confirma essa continuidade.[16]
 
É interessante notar que mesmo numa ocasião em que as crônicas bíblicas diferem-se das crônicas assírias (o que em tese seria um prato cheio para os liberais concluírem pelo “erro” dos autores bíblicos), Römer admite que diante das evidências é mais provável que a Bíblia esteja certa e os anais assírios errados:
 
Segundo os anais de Sargão II, esse seria o Sargão que teria tomado a cidade, ao passo que, segundo a Bíblia hebraica e as crônicas babilônicas, a queda de Samaria teria ainda sido obra de Salmanasar V. Dadas as dificuldades de Sargão para assumir o poder, parece plausível que ele se tenha atribuído a tomada de Samaria por razões ideológicas.[17]
 
Por falar nisso, esse é um dos erros de principiante que frequentemente vemos na boca de ateus e teólogos liberais pouco sérios: sempre que um relato bíblico se difere em algum grau dos registros de qualquer outro povo, eles rapidamente concluem que foi a Bíblia que errou, como se os registros dos outros povos fossem infalíveis ou não tivessem nenhuma razão para omitir ou distorcer informações, apenas a Bíblia. Eles são rápidos em fazer a “crítica das fontes” dos escritos bíblicos, mas não ousam fazer o mesmo com as obras extrabíblicas do mesmo período.
 
Pelo menos aqui Römer é suficientemente honesto para reconhecer que uma divergência nas fontes não é prova de que quem errou foi a Bíblia, o que aqui é corroborado pelo fato das crônicas babilônicas concordarem com a Bíblia e não com as crônicas assírias. Mesmo assim, devemos nos perguntar o quanto isso não teria sido usado contra a Bíblia se as crônicas babilônicas não tivessem sido encontradas, e tivéssemos apenas a Bíblia de um lado e as crônicas assírias do outro.
 
Até mesmo a historicidade de Salomão, considerado por muitos tão mitológico quanto Moisés, não é desacreditada por Römer, apesar dele especular (como lhe é de costume) uma origem diferente para o mesmo:
 
Não entramos, aqui, no debate sobre a historicidade de Salomão, que, ao contrário de Davi, não é mencionado fora da Bíblia. Há, entretanto, alguns argumentos a seu favor, especialmente a história escabrosa de seu nascimento: segundo Timo Veijola e Ernst Axel Knauf, é possível que Salomão tenha sido, de fato, um usurpador e que se tenha inventado a história do adultério com Betsabeia para mostrar que ele descendia de Davi, mesmo que não fosse via as mulheres “oficiais” do rei.[18]
 
Por fim, vale dizer que Römer concorda com a autenticidade de todas as descobertas arqueológicas que foram por muito tempo (e em alguns casos, até hoje) postas em dúvida por aqueles que mais tem interesse que elas não sejam autênticas ou que sejam interpretadas de outra maneira. Por exemplo, ele concorda que a Estela de Merneptá realmente se refere a Israel, quando diz que
 
Israel se acha mencionado, por volta de 1210, na estela de vitória do faraó Merneptá. Esse “Israel” deve constituir um grupo importante, visto que o rei egípcio o julga digno de ser mencionado entre as povoações que ele se gaba de ter vencido.[19]
 
Ele também concorda que a Estela de Tel Dan fala da «casa de Davi», não obstante as tentativas de reinterpretar a inscrição de outras formas. Assim, em resposta à objeção de Athas, de que a expressão se refere na verdade a Jerusalém, ele diz que “o paralelismo com a ‘casa de Omri’ torna a opinião majoritária mais plausível”[20]. Finalmente, outro importante achado arqueológico que confirmou o relato bíblico, a Estela de Mesa (onde não só YHWH é confirmado como o Deus de Israel, como toda a inscrição relata a guerra de Moabe precisamente como narrado em 2º Reis 3:4-27), foi por muito tempo colocada em dúvida pelos críticos simplesmente por confirmar a história bíblica, mas “hoje a autenticidade da estela não é posta muito em questão”[21].
 
É bastante irônico que, apesar do intuito do livro ser refutar as crenças tradicionais no Deus bíblico, na prática quase sempre que Römer fala de alguma coisa concreta é em favor da autenticidade dos textos bíblicos, ao passo em que todas as suas críticas, como veremos, são alegadamente baseadas em hipóteses e especulações recheadas de pressuposições. Também chama a atenção que, embora ele cite várias descobertas arqueológicas em seu livro, praticamente todas corroboram o relato bíblico (a exceção são os achados em que YHWH aparece ao lado de “sua Aserá”, a respeito dos quais falaremos mais adiante).
 
 
• Quem foram os shasus e os habirus?
 
Um dos temas tratados no meu último debate com o ateu Vinícius foi a identidade dos shasus e dos habirus (também chamados de “hapirus” ou “apirus”), onde eu mostrei várias evidências de que fossem os hebreus (e ele não mostrou nenhuma de que não eram). Enquanto eu mostrava textos das Cartas de Amarna que efetivamente provam a identificação entre os hebreus (israelitas) e os habirus, ele se limitava a repetir os jargões populares dos teólogos liberais que ele leu, especialmente, é claro, Thomas Römer.
 
O problema é que o próprio Römer não considera essa associação ridícula, como ele repete tantas vezes ao longo do debate. Bem longe disso, ele diz que a identificação dos israelitas com os habirus «é debatida», indicando que isso é sim tratado com seriedade no meio acadêmico e que ele ao menos está aberto à possibilidade:
 
O termo hebreus aparece, na Bíblia, como uma designação arcaizante dos israelitas ou dos judaítas e, depois, dos judeus. A relação desse termo com os apiru, termo sociológico que designa as populações marginais nos diferentes textos egípcios, hititas e outros, do segundo milênio antes de nossa era, é debatida.[22]
 
Em outro lugar, ele diz que apiru é um termo “a ser posto, talvez, em relação com a palavra ‘hebreu’”[23], e que “Moisés foi, talvez, o chefe de um grupo de apiru que, saído do Egito, encontrou YHWH em Midiã e o deu a conhecer, em seguida, a outras tribos do sul”[24], a mesma citação onde vimos que ele não só trabalhava com a possibilidade da historicidade de Moisés, mas também que ele pode ter sido o líder de um grupo habiru que saiu do Egito – o que de uma só vez corroboraria a historicidade de Moisés, os habirus como hebreus e o êxodo do Egito.
 
Como estamos falando de um teólogo liberal, ele trata isso apenas no campo da especulação, mas lembremos que ele também trata como especulação todos os pontos em que ele “corrige” a Bíblia, como veremos mais adiante. Os ateus e professorzinhos de youtube simplesmente tomam a liberdade de tratar como “fato” histórico as críticas alegadamente especulativas de Römer, mas quando ele especula acerca de coisas que favorecem a historicidade bíblica, eles ignoram solenemente.
 
Para piorar, Römer cita em seus livros alguns dos argumentos que eu usei no debate e que foram ridicularizados pelo meu oponente sem passarem por qualquer objeção (ou melhor, com a “objeção” de que isso contraria estudiosos como Römer!), como o fato de que “o reino de Israel se constituiu a partir de um território que corresponde, grosso modo, ao reino de um Labayu ou Labaya de Siquém, mencionado na correspondência de Amarna”[25], e que “o Estado de Labayu corresponde, grosso modo, às regiões integradas ao reino de Israel”[26].
 
Se os habirus se instalaram no mesmo território em que a Bíblia situa os israelitas, é totalmente razoável concluir que os habirus eram os israelitas. Este é apenas um dos muitos argumentos para essa identificação. Como eu mostrei no debate, outros argumentos incluem a própria relação etimológica já comprovada entre “habiru” e “hebreu” e o fato de que os relatos dos governantes cananeus pedindo socorro dos invasores habirus contém descrições detalhadas que concordam em gênero, número e grau com tudo o que é relatado em Josué.
 
Römer não entra nesses detalhes porque seu propósito não é comprovar a Bíblia, mas refutá-la (de outro modo, o título não seria “a invenção de Deus” e venderia certamente muito menos), e eu também não entrarei aqui porque meu intuito neste momento não é comprovar a Bíblia, mas comentar seu livro. Caso você tenha interesse, eu posso enviar o artigo em que o Dr. Douglas Waterhouse prova a identificação dos habirus com os israelitas dos tempos de Josué, juntamente com os slides que eu usei no debate (é só me solicitar por e-mail: lucas_banzoli@yahoo.com.br).
 
A respeito dos shasus, Römer não sugere poder se tratar dos israelitas, mas diz que elementos shasus podem ter se juntado à comunidade israelita[27] e cita algumas de suas características que batem bem com os hebreus: eram nômades, são referenciados primeiramente em textos egípcios, “permanecem sobretudo nas regiões desérticas entre o Egito e Canaã”[28] e são “caracterizados pelo termo YHW”[29]. Note como todas as características batem perfeitamente com o Israel dos tempos do deserto, enquanto peregrinavam do Egito para a terra de Canaã.
 
Isso não significa que todos os shasus eram israelitas, porque a literatura antiga fala de vários grupos shasus. Mas como o próprio Römer destaca, “entre esses shasu se encontrava, talvez, um grupo cujo deus tutelar se chamava YHW”[30], o que faz dos israelitas a associação mais provável com esse grupo shasu (embora Römer prefira acreditar que esse grupo shasu se fundiu mais tarde com os israelitas, sem citar maiores evidências). Para os seus propósitos, faz realmente mais sentido que esse grupo de shasus que os textos egípcios fazem menção não sejam os hebreus, porque isso destruiria a tese central de seu livro, a de que YHWH foi importado de fora. Mas essa é uma conclusão que ele tira a priori, porque melhor se acomoda com sua teoria e não porque é melhor depreendida dos fatos.
 
É interessante notar que mais à frente no livro ele diz que os midianitas eram talvez contados pelos egípcios como shasus[31]. Se isso é verdade, significa que os egípcios costumavam chamar de “shasus” povos que se autointitulavam de outra maneira, e se um dos grupos shasus eram os midianitas, o que impede que outro grupo fossem os israelitas? Lembre-se que o termo englobava vários grupos étnicos, não um único, e que o próprio Römer reconhece a estreita relação entre Midiã e Israel[32].
 
No fim das contas, as diferenças entre os nossos estudos e os de Römer neste ponto são mínimas. Ambos reconhecemos que Israel tem relação com os shasus e os habirus e que pelo menos em algum momento eles se tornaram uma coisa só. A diferença é que nós sustentamos que os israelitas foram desde o início chamados de “shasus” (pelos egípcios) ou “habirus” (pelos cananeus), enquanto Römer, como vimos, prefere acreditar que eles foram incorporados a Israel mais tarde:
 
Esses textos do Êxodo teriam, então, conservado o traço de um ritual onde um grupo de shasu/hapiru se constitui, via um mediador, como um ‘am YHWH, povo de um deus guerreiro a quem ele atribui vitória contra o Egito. Esse grupo, em seguida, introduziu esse deus YHWH na região de Benjamim e Efraim, onde se encontra Israel.[33]
 
Note como apenas um pequeno detalhe faz toda a diferença: se Römer simplesmente assumisse que os shasus/habirus não foram “incorporados” aos hebreus, mas eram os próprios hebreus, isso de uma só vez confirmaria o êxodo do Egito e a crença em YHWH desde os primórdios – exatamente como atestado na Bíblia. Mas como ele prefere partir do pressuposto de que YHWH veio “de fora”, é levado a praticar um revisionismo onde esses grupos “introduzem” YHWH em Israel, mesmo desprovido de qualquer evidência, a fim de quebrar toda a harmonia com o relato bíblico por conta de um pequeno detalhe inserido apenas para forçar uma contradição com a Bíblia.
 
Neste caso, deveríamos nos perguntar como um bando de nômades conseguiria convencer os israelitas a adorarem uma divindade à qual eles não conheciam e com quem não tinham qualquer relação, sendo ainda por cima um «deus guerreiro», sem que qualquer combate tivesse sido travado com os egípcios.
 
Ademais, se os israelitas sempre estiveram em Canaã (que é a tese mais defendida pelos críticos, inclusive pelo ateu que debateu comigo) e os habirus estavam destruindo os cananeus e tomando todos os seus territórios (como fica claro nas Cartas de Amarna), por que não destruíram os israelitas e tomaram o território deles também? Se os israelitas eram cananeus e os habirus eram inimigos dos cananeus, a última coisa provável de se imaginar é que os habirus seriam bem recebidos no seio da comunidade israelita e pegassem emprestado os seus deuses.
 
Mais do que isso, se Israel não era mais que uma pequena comunidade cananeia naqueles tempos, e os cananeus como um todo foram destroçados pelos habirus, como os habirus teriam sido “incorporados” a Israel? Deveria ser o contrário: o menor ser incorporado pelo maior. Um último problema: se os israelitas eram cananeus e os habirus foram “introduzidos” entre os israelitas e por isso os israelitas passaram a adorar o YHWH dos habirus, por que não há relatos dos cananeus adorando YHWH também? Em outras palavras, por que eles tiveram êxito em importar YHWH apenas a uma pequena comunidade de Canaã, mas fracassaram miseravelmente em importá-lo aos outros grupos cananeus?
 
Como é evidente, nada disso é problematizado por Römer em seu livro, que tem como principal característica elaborar uma hipótese e se mandar. Após especular alguma coisa, ele simplesmente deixa que os seus seguidores defendam a teoria como se fosse um fato, apegados única e exclusivamente em sua credibilidade pessoal, mesmo quando essa especulação é desamparada por fatos concretos e perguntas impossíveis de se responder. Porque, é claro, é muito mais fácil dizer “é assim porque Römer disse” do que provar o que Römer disse usando argumentos que nem o próprio Römer deu.
 
 
• Especulações, especulações e mais especulações
 
Se tem uma coisa em que eu preciso tirar o meu chapéu e reconhecer que Römer é bom mesmo, é na arte da especulação. Nem mesmo a série do Sherlock Holmes na Netflix tem tantas hipóteses, conjecturas e especulações quanto o seu livro. Se Römer fosse meteorologista, certamente diria que “pode chover amanhã, mas também pode ser que não”. Se fosse comentarista esportivo, diria que “o São Paulo pode ganhar, mas talvez perca, e quem sabe empate”. Se fosse cientista político, diria que “o Lula talvez ganhe, mas se não ganhar vai perder”. Enfim, você já entendeu. Quando se trata de especular, é com ele mesmo!
 
O quão pouco ele realmente sabe acerca daquilo que diz fica evidente pela dificuldade que tem em datar o cântico de Débora, por exemplo:
 
O cântico de Débora exalta a morte do general cananeu Sísara por Jael, a esposa de um de seus aliados junto ao qual ele se tinha refugiado depois de ter sido vencido pelo exército de Israel conduzido por Baraque. Inúmeros especialistas consideram, hoje, que se trata de um texto muito arcaico, remontando à época anterior à instalação da monarquia israelita. Entretanto, outros afirmam que se trata, ao contrário, de um texto tardio, composto a partir da narração desse episódio no capítulo precedente (Jz 4), para fornecer à autora uma conclusão poética. Assim, as datações atuais do cântico de Juízes 5 variam entre os séculos XII antes de nossa era e a época helenista.[34]
 
Basicamente, o que ele está dizendo aí é que o cântico pode datar do século XII a.C até o século IV a.C. Isso é praticamente o mesmo que a moça da previsão do tempo dizer que a temperatura amanhã em São Paulo pode variar entre 20º negativos e 50º positivos.
 
Claro, eu não estou dizendo que temos sempre que ter convicção de tudo, ou que os argumentos toda hora pesem decisivamente para um lado ou outro. O problema é quando todo o núcleo da obra, incluindo 99% das críticas à Bíblia, são alegadamente especulativas. Pior ainda quando os ateus e professorzinhos da caverna se apoiam exclusivamente na autoridade de Römer para formular um argumento “cabal” que o próprio Römer trata de forma bem mais humilde, começando com um “talvez”, “pode ser”, “aparentemente” ou “provavelmente”, no melhor dos casos.
 
Logo na introdução do livro ele tenta justificar o caráter notoriamente especulativo do livro quando escreve:
 
Assim, a pesquisa, para a qual o leitor está convidado, buscará descobrir as origens e as transformações do Deus de Israel. Seus resultados permanecerão certamente hipotéticos, visto que dispomos apenas de um feixe de indícios que se encontram, primeiro, nos próprios textos bíblicos – o que evidentemente constitui uma armadilha, porque os autores bíblicos não são neutros, mas querem impor aos leitores sua visão da história e do Deus de Israel.[35]
 
Para traduzir em bom português o que ele disse aí, é basicamente “a Bíblia não é confiável, mas eu me baseio na Bíblia mesmo assim, então não dá pra confiar muito nas minhas conclusões também”!
 
Como se vê, o próprio Römer abertamente reconhece que os resultados de sua pesquisa são «certamente hipotéticos» e assim permanecerão, e mesmo assim um bando de charlatões querem se apoiar num argumento de autoridade (conhecida como falácia ad verecundiam) para concluir uma série de coisas de forma muito concreta que nem o próprio autor no qual eles se baseiam afirma concretamente. Em outras palavras, Römer diz “x” em caráter assumidamente hipotético, e os professorzinhos com problemas cognitivos dizem que “x” é um fato porque é defendido por Thomas Römer, e se você discorda disso é “antiacadêmico”. Isso já mostra o nível de honestidade intelectual do tipo de gente com quem estamos lidando.
 
Por exemplo, enquanto os professorzinhos cravam que o YHW dos shasus é um topônimo porque Römer disse, o próprio Römer diz que é provavelmente um topônimo”[36], não que é um topônimo sem sombra de dúvidas. Outros autores discordam dele, e Leonardo Andrade em live recente já desmontou essa ideia (veja aqui). Ele reitera essa dúvida quando diz que o nome “YHWH” entre os shasus designava, talvez, uma montanha”[37]. Em outro momento, ele escreve:
 
O livro de Josué foi composto pela primeira vez por volta do século VII antes de nossa era. Nunca houve conquista, porque, como sublinhamos, “Israel” se compõe, primeiro, de uma população autóctone à qual se juntaram elementos shasu e hapiru levando o deus YHWH. O livro de Josué pode, entretanto, refletir alguns conflitos militares que certamente devem ter se produzido entre “Israel” e cidades cananeias.[38]
 
Aqui, Römer se vê numa sinuca de bico: por um lado, não pode dizer que a conquista de Canaã ocorreu mesmo, o que iria contra a teoria conspiratória que defende; por outro, não pode dizer que um redator simplesmente inventou isso, o que iria contra o que ele disse (sobre os relatos serem “memórias” do passado mais ou menos preservadas pela tradição oral). Então, o que lhe sobrou foi dizer que esses relatos podem refletir alguns “conflitos militares” entre Israel e as cidades cananeias, mesmo sem qualquer evidência fornecida. Aparentemente, a evidência só é necessária quando a Bíblia afirma; quando é a inferência de Römer, ela é dispensável.
 
Sobre Yahweh ser um “deus da tempestade” cujo nome significaria «aquele que sopra», ele diz que “essa explicação talvez seja, no estado atual de nossos conhecimentos, a mais satisfatória, embora não seja totalmente isenta de problemas[39]. Juntando essa teoria não tão satisfatória assim com uma ainda mais improvável, ele disserta:
 
Se YHWH é um deus do sul, é possível que tenha possuído, também, as características de um deus das estepes. Sinetes em forma de escaravelhos, encontrados no Neguebe e em Judá, representando uma variante do motivo iconográfico do “senhor dos animais”, podem ser postos, sem dúvida, em relação com um tal deus das estepes. Datando, na maioria, dos séculos X e IX antes da era cristã, eles figuram um personagem, provavelmente uma divindade, domando avestruzes. Segundo Othmar Keel e Christoph Uehlinger, poderia se tratar de representações de YHWH. Se a identificação for correta, teríamos aí uma indicação de que YHWH não foi venerado só como um deus da tempestade, mas também como uma divindade das estepes, das regiões áridas.[40]
 
Note a incrível quantidade de cláusulas condicionais aqui: se Yahweh for um “deus do sol”, então é possível que ele tivesse também características de um “deus das estepes”. Em apoio a essa afirmação altamente especulativa e recheada de pressuposições, ele cita sinetes que são provavelmente de uma divindade, que poderia se tratar de Yahweh, e se essa identificação for correta teríamos uma indicação de que Yahweh era um deus das estepes! Com tantas pressuposições assim, creio ser mais fácil provar a veracidade do multiverso alterado pelo Dr. Estranho do que isso.
 
Outro exemplo da técnica do “se isso, então talvez aquilo”, é quando ele diz que se as tradições de Jacó refletem essa memória de um grupo que venerava El e que, depois, adotou YHWH, seria possível explicar, da mesma maneira, o estreito laço entre Jacó e Edom, embora isso seja evidentemente especulativo[41]. Não bastasse a conclusão depender de um pressuposto duvidoso, mesmo com o pressuposto ela ainda é apenas uma “possibilidade” dentro do campo «evidentemente especulativo». Essa é a mesma linguagem expressa quando ele fala de Yahweh como um deus nacional de Edom antes de vir a se tornar o Deus de Israel:
 
Tirando conclusões das observações sobre a estreita ligação entre Israel e Edom, bem como sobre a entrada em cena um tanto quanto tardia de Qos, poderíamos especular que YHWH era igualmente venerado em Edom e que Qos assume o seu lugar somente quando YHWH se torna a divindade nacional de Israel e de Judá. Poderíamos dizer que YHWH e Qos eram dois nomes, ou mesmo dois títulos para a mesma divindade. Mas tudo isso requer aprofundamento.[42]
 
Em outro momento, ele diz que talvez o próprio Judá fosse, originalmente, uma dessas tribos árabes instaladas no sul e ligadas aos midianitas, quenitas e edomitas”[43], sem fornecer uma única evidência para isso. Basicamente, a origem atribuída pelo próprio texto bíblico é descartada a priori, e o que sobra são especulações que não se sabe de onde vieram. Um exemplo de como a explicação bíblica é descartada de antemão e o que sobram são especulações que não convencem nem mesmo outros liberais é quando Römer desdenha da interpretação de outro teólogo liberal a respeito da origem de Israel:
 
Segundo André Lemaire, a origem de Israel se encontra no nome de um clã, “Asriel”, instalado na montanha de Efraim (nome mencionado em Nm 26:31 como um dos clãs de Galaad, em Js 17:12 e 1Cr 7:14 como filho de Manassés e em dois óstracos de Samaria, 42 e 48). Essa tese é interessante, mas frágil: os textos bíblicos que mencionam esse clã são pouco numerosos e datam o mais cedo, sem exceção, da época persa.[44]
 
Aqui, ele usa uma teoria liberal (a da datação recente dos textos) para refutar outra teoria liberal (a da origem de Israel), o que é até engraçado, afinal (a cobra provando do próprio veneno!).
 
Uma das teses com as quais ele mais trabalha é a de que existia no templo de Jerusalém uma estátua de YHWH (falaremos muito sobre isso alguns tópicos à frente), e ela também é evidentemente fruto de mais especulação: “Siló foi, aparentemente, um santuário javista importante talvez até contendo uma estátua de YHWH, e é possível que seja por meio desse lugar santo (ou pelo profeta Samuel) que YHWH se torna, em seguida, o deus de Saul”[45]. Em um sinal claro de como ele não fazia a menor ideia de qual teoria conspiratória aderir, ele escreve:
 
Pode-se imaginar que a arca transportava dois betilhos (pedras sagradas) ou duas estátuas simbolizando YHWH e sua consorte Aserá, ou uma estátua representando YHWH sozinho.[46]
 
Qual a base para afirmar que haviam duas estátuas de YHWH e Aserá na arca, ou uma estátua de YHWH apenas? A base é: “pode-se imaginar”! É importante ficar claro desde já que, quando Römer usa a linguagem do “aparentemente” ou do “é possível”, ele não está usando como base a arqueologia ou fatos consolidados historicamente, mas sua própria imaginação – ou seja, aquilo que ele acha que melhor se encaixa dentro de seu próprio sistema (ou dentro de suas próprias especulações). É a especulação sustentada por mais especulação. É baseado nesse método um tanto quanto duvidoso que ele escreve:
 
É de se perguntar por que Davi, se ele tinha de fato vencido definitivamente os filisteus, não fez de Escalom sua capital. A resposta é que, provavelmente, ele permaneceu vassalo dos filisteus durante todo o seu reinado.[47]
 
Note como a conclusão salta das premissas como um salto ornamental: Davi não mudou a capital para Escalom, portanto, ele não tinha realmente derrotado os filisteus! Isso é basicamente o mesmo que dizer que Hitler não tinha realmente derrotado os franceses no início da 2ª Guerra, porque não fez de Paris a nova capital da Alemanha, ou que a Tríplice Aliança não venceu realmente o Paraguai, porque nem o Brasil, nem a Argentina e nem o Uruguai mudaram sua capital para Assunção (que naquela época era mais desenvolvida que qualquer cidade brasileira).
 
A simples ideia já soa ridícula, porque capitais não se mudam da noite pro dia por vencer guerras, e a capital de um país não é necessariamente a cidade mais importante (de outra forma, Brasília nunca poderia ser a capital do Brasil em vez de São Paulo, ou Washington a capital dos EUA em vez de Nova York). Haveria certamente muita resistência em se mudar a capital tradicional de uma nação por uma cidade estrangeira, mesmo que sob o domínio israelita.
 
O fato de Römer ignorar tudo isso e ainda usar como argumento para o texto bíblico estar errado só mostra o quanto os seus argumentos de “probabilidade” não são nada além de imaginação fértil inteiramente esvaziada de substância. Outro exemplo de disparate tão grande quanto é quando ele diz que é possível imaginar que os dois mensageiros e a divindade na narrativa do Gênesis, capítulo 19, representem o deus solar e seus dois acólitos”[48].
 
Mais uma vez, a “fonte” aqui é a própria imaginação dele, porque nem o texto diz isso, nem Römer forneceu qualquer evidência externa. Na verdade, o próprio texto deixa claro que os dois “mensageiros” não eram meros acólitos, porque eles também são chamados de Adonai (Gn 19:2), título que na Bíblia pertence somente a YHWH. Lógico que nada disso tem importância para alguém que pode com tanta facilidade simplesmente apelar para o velho e bom truque de dizer que essa parte do texto foi manipulada por um redator tardio e assim manter de pé sua especulação vazia.
 
É também na base da especulação que ele afirma que o templo de Salomão foi fundado sob um santuário já existente:
 
É, portanto, bem provável – e é, também, o caso para a “construção” de outros santuários no Oriente Próximo antigo – que o edifício salomônico tenha sido fundado sobre um santuário já existente. É possível também imaginar que Salomão tenha transformado um santuário ao ar livre em um templo; entretanto, a narrativa de 1Rs 6-7 contém indícios mais a favor da hipótese precedente.[49]
 
Mais adiante, veremos quais “indícios” são esses que ele enxerga no texto bíblico. Por hora, continuemos com as especulações, dessa vez em relação a Aserá: “É muito plausível que YHWH tenha tido, em Judá e, sem dúvida, também em Israel, uma deusa que lhe tenha sido associada”[50]. Note que aquilo que é dado como certo pelos professorzinhos da caverna e debatedores amadores é dado por Römer como algo “plausível”, não como uma certeza. Era também duvidoso, nas palavras do próprio Römer, que Aserá tivesse uma estátua no templo de Jerusalém: “Aserá era, talvez, associada a YHWH, no templo de Jerusalém, via uma estátua colocada ao lado da sua”[51].
 
Ele também não está certo quanto à relação entre a “rainha do céu” da qual Jeremias fala e Aserá. Diz que “é possível que a Rainha do Céu tenha sido uma manifestação da deusa Aserá”[52], mesmo que a maioria dos estudiosos acredite que seja uma alusão a Astarte. Até mesmo a influência persa na formação do monoteísmo judeu, dada como a coisa mais certa do mundo na visão dos liberais de youtube, é tratada com menos empolgação por Thomas Römer:
 
Em resumo, é muito provável que tenha havido influências persas na elaboração do monoteísmo javista no contexto do Judaísmo nascente, se bem que não sejam sempre tão facilmente demonstráveis como pretendem alguns.[53]
 
Ou então tome como exemplo o tanto de condicionais envolvidas na seguinte declaração:
 
A chegada de YHWH no território de Israel se deu talvez graças ao encontro de um grupo nômade que venerava esse deus com uma federação de tribos do nome de Israel. A respeito desse encontro, não temos atestações fora da Bíblia. O texto poético do capítulo 33 do livro do Deuteronômio: “Ele se tornou rei em Jesurun, quando os chefes do povo se reuniram juntamente com as tribos de Israel” (v. 5), talvez reflita a adoção de YHWH por Israel, como poderia ser também o caso para a conclusão duma aliança entre YHWH e “seu povo”, relatada no capítulo 24 do livro do Êxodo; embora esse texto, na sua forma atual, seja o resultado de uma redação muito recente, não é impossível que encene esse encontro inicial.[54]
 
A chegada de YHWH através de tribos nômades é dada com a convicção de um “talvez”; em seguida temos um texto bíblico selvagemente violentado para dizer que ele talvez reflita essa aliança, e no final mostra quanta segurança podemos ter no argumento: “Não é impossível”, diz ele! Com uma garantia dessas, não tem como não dormir tranquilo! Só faltou dizer que para o argumento funcionar também precisava da passagem do cometa Halley e do título mundial do Palmeiras. Usando esse tipo de método, é difícil pensar em alguma coisa que não possa ser tomada como “argumento”. Não impressiona a conclusão que vem em seguida:
 
O texto grego da dedicação do templo parece, mesmo, indicar que YHWH não era inicialmente a única divindade a ser venerada lá. Talvez ele tenha, primeiro, coabitado com uma divindade solar, Shamash, cujas funções ele foi aos poucos retomando.[55]
 
O texto parece indicar “x”, então, talvez isso signifique “y”. Nem a premissa ele faz qualquer esforço em provar, muito menos a conclusão dela (que não é uma conclusão lógica mesmo se a premissa fosse verdadeira). Virtualmente todas as críticas à Bíblia são elaboradas nestes mesmos termos: “talvez” seja tal coisa, e se tal coisa for mesmo verdade, então “talvez” isso indique outra coisa. Mesmo assim, é com base nessas conjecturas que nenhuma pessoa que se preze levaria a sério que os professorzinhos da caverna “provam” que a Bíblia mente – afinal, se uma sumidade como Thomas Römer disse tal coisa, quem somos nós mortais para negar?
 
Um exemplo do amadorismo bíblico do autor fica nítido quando ele diz que a arca da aliança não é mencionada em Juízes, e usa isso como argumento para a “tradição independente” dos textos de Samuel que a mencionam (novamente na base do “é bem possível”, é claro):
 
Levada por sacerdotes, na narrativa da conquista no livro de Josué, ela está totalmente ausente do livro dos Juízes, mas aparece frequentemente nas duas seções de cada um dos livros de Samuel (1Sm 4-6 e 2Sm 6). Esses capítulos formam uma unidade à parte, chamada a “história da arca”. É, na origem, uma tradição independente? É bem possível, embora seja difícil datar essas narrativas.[56]
 
Na verdade, a arca é de fato citada em Juízes (Jz 20:27-28), embora para um teólogo liberal seja sempre muito fácil se safar dizendo que tal texto não fazia parte da “redação original” do livro, que é fruto de mais especulação. Em outras palavras, eles usam uma especulação como base para mais especulação. Como são eles que decidem – de forma altamente especulativa e quase aleatória – o que fazia parte do “texto original” e o que foi acrescentado pelos redatores, eles decidem que o texto de Juízes que fala da arca é na verdade um acréscimo do redator, e com base nisso conjecturam que os textos que falam da arca em outros livros devem ser uma redação independente. É especulação em cima de especulação.
 
Isso nos leva a um outro problema, que está no âmago do método fadado ao fracasso usado por Römer: a dificuldade que eles têm em datar as narrativas, já que a datação de cada trecho depende única e exclusivamente da especulação particular de cada um. É sobre isso que veremos agora.
 
 
• O problema da datação dos livros
 
Se datar os livros não é uma tarefa tão fácil para o teólogo conservador, ela é virtualmente impossível para o liberal, visto que não só cada livro foi escrito em épocas diferentes, mas também cada capítulo, cada versículo e, pasme, até mesmo trechos dentro de um mesmo versículo podem ser datados para uma outra época – tudo depende apenas da conveniência e da imaginação. Pelo menos Römer não é adepto da “hipótese documentária”, dada como “consenso acadêmico” pelo meu último debatedor:
 
Não entraremos em detalhe na questão complexa e complicada da datação dos textos bíblicos. Somente deixamos claro que não nos baseamos mais, com a maioria dos especialistas europeus, na “teoria documentária” que explica o nascimento do Pentateuco pela sucessão de quatro documentos, o mais antigo dos quais dataria da época de Salomão e o mais recente do início da época persa – o que, infelizmente, é sempre ostentado nas publicações de divulgação.[57]
 
Isso não significa que o método de datação de Römer seja menos ineficiente ou menos confuso que a hipótese documentária que ele critica. Ele acredita que o Pentateuco foi editado por volta de 400 a 350 a.C e que ele “reagrupa os escritos sacerdotais, uma parte dos textos deuteronomista, e ainda outros”[58], o que mostra que alguma semente da hipótese documentária ainda está ali. Um ponto alto do livro é quando ele explica por que é impossível encontrar manuscritos mais antigos do Antigo Testamento (o que é usado pelo professorzinho para dizer que todos os livros do AT datam de no máximo 300 a.C):
 
Lembremos, ainda, que nenhum livro ou, mais precisamente, rolo bíblico, foi escrito de uma só vez. Os rolos de papiro ou de pele de cabra, ou de vaca, tinham uma duração de vida limitada e seu conteúdo devia, no fim de alguns decênios, ser recopiado em novos rolos.[59]
 
É por isso, e não porque os livros foram escritos no período helenista, que nós não encontramos manuscritos do AT que datem da época de Moisés ou de Davi. Se os rolos de papiro da época só duravam algumas décadas, é evidente que só podemos encontrar cópias tardias, que de forma alguma provam que o original não seja muito mais antigo. O próprio Römer dá uma pá de cal no professorzinho quando diz que “o livro de Josué foi composto pela primeira vez por volta do século VII antes de nossa era”[60], o que é ainda muito mais tarde do que a data real da escrita do livro, mas pelo menos é bem mais antiga que o século III a.C.
 
Ele também acredita que a primeira versão da história de Salomão data do século VII a.C[61] e que o Deuteronômio é de 620 a.C[62], estendendo-se até o século V a.C[63]. Em relação aos livros proféticos, ele afirma que “conheceram, igualmente, uma complexa história de redação e muitos dos textos que aí se encontram não são provenientes dos profetas ‘históricos’, mas de redatores mais recentes”[64], o que pelo menos sugere que alguns dos livros proféticos realmente provém dos profetas aos quais são atribuídos, embora ele não se arrisque a dizer quais.
 
Como ele mesmo reconhece, ele não se esforça em provar as datações que ele sugere, simplesmente as assume a priori e espera que o leitor confie nas suas datações porque ele é Thomas Römer, e ninguém ousaria discordar de Thomas Römer. Nas poucas vezes em que ele se arrisca em apontar algum “indício” que favoreça a datação sugerida, é pra mostrar como os seus pressupostos tornam toda a análise enviesada. Tome como exemplo o que ele comenta sobre o nome de Moisés:
 
Um detalhe filológico pode fornecer uma indicação para afirmar que o nome de Moisés bíblico é mais antigo do que os textos que falam dele. De fato, o som egípcio “s” no nome de Moisés é apresso pela letra hebraica sin, ao passo que, nos textos do primeiro milênio, esse som é normalmente expresso pelo hebraico sãnek. O nome de Moisés permite, assim, o salto para o segundo milênio antes de nossa era.[65]
 
Em vez dele concluir que o Pentateuco é tão antigo quanto o nome de Moisés, porque evidências desse tipo se encontram amplamente ao longo de toda a Torá, ele prefere concluir que o Pentateuco é mais recente, mas emprestou um nome mais antigo (que eles preservaram sabe-se lá como). Ou tome como exemplo os comentários dele a respeito de 2º Reis 22 e 23:
 
A narrativa não pode ser utilizada ingenuamente como se fosse a exposição de uma testemunha ocular de fatos acontecidos por volta de 620 antes de nossa era. Sob a forma atual, ela já dá conta da destruição de Jerusalém e do exílio babilônico e foi, portanto, redigida depois de 587, como é mostrado, por exemplo, pelos anúncios da profetisa Hulda em 2Rs 22:16-17.[66]
 
Basicamente, a “prova” que ele tem de que os textos são bem mais recentes do que afirmam ser é que eles têm profecias que se cumpriram, e se profecias se cumpriram, só podem ter sido feitas a posteriori. Essa é a mesma lógica que ele aplica ao livro de Daniel: “O livro de Daniel reflete a época turva sob Antíoco IV e foi redigido em 164 antes de nossa era, justo antes da morte deste último”[67]. Por que Daniel foi escrito em 164 a.C? Porque ele profetiza uma série de coisas que se cumpriram em Antíoco IV, e se a profecia se cumpriu, ela só pode ter sido proferida depois do cumprimento. Ou seja, a “prova” da datação recente dos livros é o próprio pressuposto naturalista.
 
Pouco importa se a arqueologia já comprovou inúmeros detalhes do livro de Daniel (como a existência de Nabucodonosor, de Belsazar e de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, todos ridicularizados pela alta crítica até descobrirem inscrições dos mesmos), também pouco importa se o aramaico de Daniel é do século VII a.C e que já era tão obsoleto no século II a.C que os tradutores da Septuaginta traduziram várias palavras erradas, nem que “a morfologia, o vocabulário e a sintaxe do aramaico do livro de Daniel são bem mais antigos do que os textos encontrados no deserto da Judeia”[68], de acordo com estudiosos como Kenneth Kitchen, Gleason Archer Jr e Franz Rosenthal.
 
Só o que importa é que Daniel profetizou muitas coisas que aconteceram em seus mínimos detalhes, mas como isso é impossível, pois Deus não existe, então deve ter sido escrito depois, e não se fala mais nisso. É isso o que acontece quando ateus se metem na crítica textual: coisa boa não dá pra esperar. Os outros argumentos que ele usa para a datação recente são daí pra baixo, alguns tão bizarros que chegam a ser espantosos. Tome como exemplo o “argumento” dado para negar a historicidade dos textos que falam da peregrinação de Abraão:
 
No plano geográfico, essa viagem cobre o conjunto do Crescente Fértil; no plano histórico, os territórios percorridos por Abraão são lugares onde, na época persa (séculos V-IV), encontram-se judeus exilados ou emigrados. Este exemplo mostra que não se deve ler os textos do Pentateuco como narrativas históricas; são narrativas muito mais tardias do que as épocas a que se referem.[69]
 
Premissa 1: Abraão não pode ter percorrido os mesmos lugares onde encontravam-se judeus exilados na época persa. Conclusão: a peregrinação de Abraão é um mito! É difícil imaginar um jeito mais preguiçoso de se fazer exegese do que esse. Da próxima vez que você for fazer uma viagem, tome cuidado na hora de anotar em seu diário os lugares por onde passou, vai que um dia alguém faz um trajeto parecido e prova você nunca viajou. Todo cuidado é pouco!
 
A coisa piora quando vemos o argumento dado para os textos que falam de Jacó e Esaú serem do período babilônico ou persa:
 
Para os pesquisadores que se interessaram pela questão do registro escrito das tradições dos Patriarcas, e especialmente a de Jacó, a relação deste com Esaú (Edom) sempre constituiu um problema. Se a história de Jacó for datada do tempo da realeza israelita, fica difícil explicar uma relação estreita entre Jacó (Israel) e Esaú (Edom) nessa época. Por esse motivo tem-se, recentemente, feito observar que as relações tensas e todavia próximas entre os dois irmãos têm sentido na época babilônica ou persa, período em que Jacó se tornou o ancestral de “todo Israel” (incluindo, portanto, Judá) em um sentido teológico.[70]
 
Se você não entendeu muito bem o argumento aqui, deixa que eu explico: a Bíblia diz que os edomitas também são descendentes de Abraão e que Jacó e Esaú eram irmãos, mas por que ela diria isso se os israelitas eram inimigos dos edomitas durante quase toda a história de ambos? A única conclusão possível é que eles eram irmãos mesmo o texto foi escrito depois do cativeiro babilônico, quando essa rivalidade foi suavizada. Pronto, está provado! Chega a ser cômico como a conclusão deles está na própria premissa (ou seja, a Bíblia é falsa porque ela não pode ser verdadeira).
 
 
• A teoria do redator burro
 
Por detrás de todo esse suspeito método de datação está a crença basilar de todo bom teólogo liberal: a do redator. Por toda a obra de Römer ouvimos falar de “redatores” inescrupulosos que meteram as mãos nos textos bíblicos para manipulá-los ao seu bel-prazer, conforme as suas conveniências. Tudo o que o redator queria esconder ele tirou do texto, colocando outras coisas no lugar que serviam aos seus propósitos obscuros. Por exemplo, como veremos mais adiante, Römer acredita que no passado YHWH exigia sacrifício de crianças, mas esses textos não mais existem porque os redatores trataram de modificá-los no período persa, quando essa prática não era mais encarada com bons olhos.
 
O principal problema com essa teoria é que ela pressupõe uma burrice inacreditável por parte do(s) redator(es), razão por que eu prefiro chamar de “a teoria do redator burro”. Tome como exemplo um texto que nós já vimos aqui:
 
A chegada de YHWH no território de Israel se deu talvez graças ao encontro de um grupo nômade que venerava esse deus com uma federação de tribos do nome de Israel. A respeito desse encontro, não temos atestações fora da Bíblia. O texto poético do capítulo 33 do livro do Deuteronômio: “Ele se tornou rei em Jesurun, quando os chefes do povo se reuniram juntamente com as tribos de Israel” (v. 5), talvez reflita a adoção de YHWH por Israel, como poderia ser também o caso para a conclusão duma aliança entre YHWH e “seu povo”, relatada no capítulo 24 do livro do Êxodo; embora esse texto, na sua forma atual, seja o resultado de uma redação muito recente, não é impossível que encene esse encontro inicial.[71]
 
Römer usa Deuteronômio 33:5 como base para a sua crença de que nômades (shasus) levaram YHWH aos israelitas, mas ele próprio acredita que esse texto é extremamente recente, o que coloca em xeque sua própria teoria. Se o texto é recente, por que raios os redatores colocariam deliberadamente ali algo que confronta os seus próprios propósitos? A resposta é simples: porque o redator é burro, e pessoas burras fazem burrices (como conspirar contra elas mesmas). Römer quase chega a assumir isso, mas prefere dizer que “não é impossível” e muda de assunto.
 
Ou tome como exemplo o texto de Isaías que ele usa para dizer que os israelitas faziam procissão com a estátua de YHWH:
 
Quando o autor dito “Dêutero-Isaías” anuncia o retorno de YHWH da Babilónia, encontramos esta afirmação: “Eis a voz das tuas sentinelas; ei-las que levantam a voz, juntas lançam gritos de alegria, porque com os seus próprios olhos veem a YHWH que volta a Sião” (Is 52:8). Essa descrição é facilmente compreensível se imaginarmos a chegada de uma estátua de YHWH a Jerusalém. Mas essa opção não se impôs, a preeminência da Torá tornava, de fato, inútil uma estátua.[72]
 
Ele chama de “Dêutero-Isaías” porque nem mesmo crê que esse texto fizesse parte da redação original de Isaías (que ele também não crê ser da época do profeta Isaías), ou seja, trata-se de outra «redação muito recente», do período persa ou até do helenista, quando os redatores quiseram fazer desaparecer os rastros de uma antiga estátua de YHWH. Mesmo assim, na cabeça dele, foi nessa época que eles escreveram esse texto, que ele interpreta como uma alusão à estátua de YHWH. Ou seja, os redatores estavam conspirando contra eles mesmos... de novo!
 
Ele ainda afirma que “a exortação para não mais se lembrar dos primeiros acontecimentos (Is 43) pode ser lida como uma crítica do discurso deuteronomista, obcecado pela destruição de Jerusalém e o exílio”[73]. Mas por que raios o redator iria colocar no texto uma crítica intencional a um outro texto que ele também tinha sob seu domínio? Porque é burro, é claro! Em vez de simplesmente suprimir o “discurso deuteronomista”, ele preferiu manter esse discurso e incluir uma crítica ao discurso dentro de um outro livro, o que deve fazer muito sentido na cabeça de alguém completamente chapado.
 
Se você quer mais um exemplo da incrível burrice (ou alcoolismo) dos redatores, aqui vai:
 
O retorno da comunidade exilada à sua terra é apresentado como um novo nascimento e YHWH se assemelha à deusa-mãe que cria de novo em dores do parto. No entanto, no versículo precedente (v. 13), esse mesmo YHWH surge como um guerreiro que persegue seus inimigos. Temos, aqui, a passagem de um deus guerreiro, masculino, para a imagem de um deus maternal que concebe seu povo.[74]
 
O redator preferiu deixar ali ambos os textos: aquele que supostamente contrariava o seu viés ideológico e aquele que realmente expressava o que ele pensava, porque ele só alterava os textos que Römer lhe dava permissão para alterar. Aliás, chega a ser incrível que ele interprete isso como “a passagem de um deus masculino para um feminino”, em vez de concluir, como qualquer pessoa racional, que a natureza de Deus inclui os atributos que humanamente seriam caracterizados como “masculino” e “feminino”, de modo que não há nenhuma contradição entre um e outro.
 
Em vez disso, Römer prefere acreditar que o primeiro texto é mais antigo e o verso seguinte é mais recente, que o redator deixou ali para contrariar o verso anterior em vez de simplesmente censurar o versículo (como ele acredita que fez com todos os textos de sacrifício a YHWH e muitos outros). E se você quer saber por que às vezes o redator censurava os versículos e às vezes só acrescentava outros que os contradiziam, problema seu, Römer não te deve explicação!
 
Vemos algo parecido quando ele comenta sobre o “politeísmo” do livro de Jó:
 
É claro, a Bíblia hebraica se apresenta a nós, nas suas três partes, como um documento “monoteísta”, mas os autores e redatores bíblicos guardaram também traços politeístas como no livro de Jó, ou em numerosos salmos onde YHWH aparece rodeado de sua corte celeste. Há, portanto, pelo menos parcialmente, uma integração da herança politeísta no discurso monoteísta.[75]
 
E por que os redatores guardaram também esses traços politeístas, se eles eram monoteístas e justamente por isso teriam suprimido uma série de textos politeístas que não constam mais em nossas Bíblias? Como Römer gosta de lidar com especulações, vou especular aqui também: (1) porque ele queria que seus leitores dessem uma de Sherlock Holmes e encontrassem todos esses “pequenos traços politeístas”, pois era caridoso e queria dar emprego aos teóricos da alta crítica; ou (2) porque era burro.
 
Como os próprios teóricos da alta crítica dizem que Jó é um dos últimos livros do AT, escrito já no período persa (e que por isso fala de “Satanás”), deve ser porque era burro mesmo, já que o autor monoteísta colocou politeísmo intencional em seu livro escrito numa época em que os judeus já tinham sido influenciados pelo monoteísmo zoroastrista. Mesmo monoteísta, o redator quis colocar politeísmo no livro porque sim, então cale a boca e aceite. Antes que você me pergunte, é óbvio que esses textos da “corte celeste” não têm nada a ver com outros deuses, mas com anjos, como é reconhecido por virtualmente todos os comentaristas bíblicos (que não sejam tão burros quanto o tal redator).
 
Outro exemplo maravilhoso da burrice do redator é quando Römer escreve:
 
”No principio, Deus criou o céu e a terra”. É por essa afirmação muito conhecida que se abrem as bíblias judaica e cristãs. No primeiro capitulo do Genesis, “Deus” não tem um nome próprio, o que pode parecer normal se consideramos a Biblia como um livro monoteísta. Se há um só deus, por que haveria de ter um nome próprio?[76]
 
Mas se o fato de Deus não ter nome próprio é um indício de que o redator era monoteísta, por que o redator deixaria o nome próprio de Deus no livro que ele podia manipular à vontade? Seria tão difícil assim substituir todas as ocorrências de “YHWH” por “Elohim”? Pior do que isso, é justamente o fato de em Gênesis 1 constar elohim e o tetragrama só aparecer no capítulo 2 que leva muitos liberais a concluírem que foi escrito por duas fontes diferentes (a “javista” e a “eloísta”) que foram mais tarde unidas pelo redator, mas para o azar deles, a expressão “YHWH Elohim” (traduzida como “Senhor Deus”, na maioria das Bíblias) aparece nada a menos que nove vezes no capítulo 2, o que significa que a tal “fonte javista” tinha algum problema de bipolaridade, ou que o redator era tão burro que não conseguia perceber a intromissão de “YHWH” mesmo quando aparecia ao lado de Elohim!
 
De fato, o próprio Römer nos fornece uma explicação bastante plausível para o fato de Deus ter nome próprio, embora ele desdenhe da explicação por confrontar suas pressuposições liberais:
 
O fato de faltar, no caso de YHWH (“ele é”), o nome da divindade seria a prova de que os israelitas tiveram, desde as origens, uma concepção mais abstrata de sua divindade do que seus vizinhos, invocando o seu deus sem lhe dar um nome próprio. Esta é uma ideia muito teológica e pouco plausível no plano da história das religiões.[77]
 
Agora, resta-nos analisar os supostos “sinais de adulteração” do redator, que mais servem para confirmar a burrice do mesmo do que qualquer outra coisa.
 
 
• Os “sinais de adulteração” do redator
 
Comecemos com o Salmo 68, a respeito do qual Römer comenta:
 
O Salmo 68 guarda os traços visíveis dessa substituição no fim do versículo 9, onde o texto atual repete “Elohim, Elohim de Israel”, o que não tem sentido; vê-se muito bem que o primeiro “Elohim” era, na origem, “YHWH”: “YHWH, deus de Israel”. Se repusermos o nome de YHWH, no Salmo 68, no lugar de “Elohim”, os dois textos são em grande parte idênticos. Aliás, o tetragrama se manteve em outros lugares do salmo.[78]
 
Mas se o tetragrama se manteve em outros lugares do salmo, por que diabos o redator se daria ao trabalho de tirar o tetragrama no verso 9? O que ele ganharia com isso? Ainda mais quando consideramos os milhares de textos em que YHWH é mencionado como sendo Elohim (vimos que existem nove deles só no capítulo 2 de Gênesis, cf. v. 7, 8, 9, 15, 16, 18, 19, 21 e 22), sem que o tal redator tenha se dado ao trabalho de retirar qualquer um deles, que razão teria para fazer isso aqui? Isso parece mais coisa de paranoico procurando “sinais” de sua paranoia com uma lupa.
 
Ademais, se a intenção do redator era adulterar o texto para tirar YHWH dali, ele poderia simplesmente transformar o “YHWH, Elohim de Israel” em “Elohim de Israel”, em vez de “Elohim, Elohim de Israel”, desfazendo assim qualquer redundância que pudesse atrair as suspeitas de algum paranoico procurando pêlo em ovo com uma lupa na mão. Mas como ele era burro (o que já foi exaustivamente provado no ponto anterior), ele simplesmente trocou “YHWH” por “Elohim” e cruzou os dedos para que o grande Thomas Römer não descobrisse essa malandragem marota.
 
É óbvio que faz muito mais sentido que o autor estivesse simplesmente querendo enfatizar que Elohim era o Elohim de Israel, já que Israel é o povo escolhido de Deus, e não que quisesse mais uma vez enfatizar que YHWH é Elohim. Redundâncias desse tipo são muito comuns no hebraico. Por exemplo, o anjo clamou a Abraão lhe chamando pelo nome duas vezes: “Abraão, Abraão! E ele disse: Eis-me aqui” (Gn 22:11). Será que Römer acha que algum redator inescrupuloso meteu a mão nesse texto também, e que o original dizia qualquer outra coisa no lugar do primeiro “Abraão”?
 
E o que ele teria a dizer do texto de Jeremias que diz que “cavaram as suas próprias cisternas, cisternas rachadas que não retêm água” (Jr 2:13)? Será que o maldito redator não gostou da palavra que vinha depois de “cisterna”, e por isso meteu “cisterna” de novo no texto? Ou será que é mais provável que Römer não entenda nada de hebraísmo e fale bobagens baseadas no francês que ele conhece do século XXI? A segunda hipótese é mais provável quando vemos seus comentários sobre o texto que fala do “altar para Baal na casa de Baal”, que Römer também acha uma evidência convincente de manipulação do texto:
 
O primeiro livro dos Reis atesta também um santuário em Samaria: relatando que o rei Acabe “erigiu um altar para Baal na casa de Baal que ele tinha construído em Samaria” (1Rs 16:32). A dupla menção de Baal é um pouco curiosa: por que explicitar que o rei instala um altar para Baal no templo de Baal? Aparentemente, temos aqui um problema de alteração do texto original que fala de uma “casa de Deus” (bêt elohim) ou de uma "casa de YHWH" (bêt YHWH). Esse texto teria sido o seguinte: “Ele erigiu um altar para Baal na casa de YHWH que ele tinha construído”.[79]
 
O problema de Römer não é com as redundâncias, é com o hebraico que ele desconhece completamente. Um pouco mais de leitura bíblica e ele saberia que redundâncias desse tipo são absolutamente comuns, e só um idiota diria que todos esses textos foram adulterados mesmo quando não havia a menor necessidade disso. Tomemos como exemplo:
 
“Então Jó respondeu ao Senhor e disse...” (Jó 42:1)
 
Beije-me ele com os beijos da sua boca...” (Ct 1:2)
 
“E sacrificou Jacó um sacrifício na montanha...” (Gn 31:54)
 
“...E, tendo dito isto, clamou com grande voz: Lázaro, sai para fora (Jo 11:43)
 
“Para não suceder que veja com os olhos, ouçam com os ouvidos, e entendam com o coração...” (Mt 13:15)
 
“Então, vieram dois homens malignos, sentaram-se defronte dele, e testemunharam contra ele, contra Nabote, perante o povo, dizendo: Nabote blasfemou...” (1Rs 21:13)
 
Numerosos outros exemplos poderiam ser dados ao longo de toda a Bíblia, que exigiriam que Römer passasse o resto da vida caçando “adulterações” por toda a parte, lutando contra os fantasmas dos redatores que encontra nos textos. O fato é que ele simplesmente desconhece características do hebraico e da própria forma hebraica de se expressar (que permanece vigente mesmo no NT grego, escrito por autores judeus), que não passa imperceptível nem a uma criança que esteja lendo a Bíblia pela primeira vez.
 
Continuando a “caça fantasma” de Römer ao redator, ele escreve:
 
No versículo 9 do capítulo 14, YHWH é comparado a uma “árvore fértil” (“Eu sou como um cipreste verdejante, é de mim que procede o teu fruto”), símbolo da deusa Aserá. O início desse versículo talvez tenha sido acidentalmente, ou mesmo voluntariamente, tornado obscuro; segundo Julius Wellhausen, a versão primitiva dessa passagem teria se iniciado com esta afirmação de YHWH: ‘‘Eu é que sou seu ‘Anat’ e seu ‘Aserá’’. Se essa conjectura é legítima, teríamos aqui outra indicação da vontade de integrar as funções das deusas em YHWH.[80]
 
Além dele próprio tratar isso como uma conjectura, ele não mostra uma única evidência de que a “árvore fértil” no texto é Anate ou Aserá, nem o que levou Julius Wellhausen a pensar assim – muito provavelmente com o mesmo nível de especulação paranoica do próprio Römer. Se toda vez tivermos que ler “Anate” ou “Aserá” nos textos que mencionam “árvore”, essas deusas pagãs certamente deviam ser onipresentes na Bíblia. Jesus também chamou a si mesmo de “a videira verdadeira” (Jo 1:15). Será que ele também queria dizer que ele era Anate e Aserá? Não é muito mais lógico que esses textos usem a árvore apenas como uma figura de linguagem para o abrigo e proteção que encontramos em Deus?
 
Esses são apenas alguns exemplos de como os liberais precisam procurar por pêlo em ovo com uma lupa para encontrar as tais “adulterações” dos redatores, o que só nos mostra como de fato não há adulteração alguma. Um outro exemplo disso é quando ele escreve:
 
É, portanto, possível que a primeira versão das reformas de Josias não contivesse ainda a narrativa que relata a descoberta de um livro. Aliás, a notícia sobre o sacerdote Hilquias descobrindo o livro, no versículo 8, é introduzida brutalmente no contexto e interrompe a primeira cena (ver 3-7 e 9). É, portanto, muito provável, como tem sido muitas vezes afirmado, que é preciso distinguir duas histórias em 2º Reis 22: a narrativa de restauração e a da invenção do livro. É possível que essa narrativa de descoberta seja uma inserção tardia, atribuível a um redator da época persa que, no contexto do Judaísmo nascente, quer mostrar como o Livro (o Pentateuco) substitui o culto tradicional.[81]
 
Mas será mesmo que está tão claro assim que existe uma paráfrase inserida “brutalmente” no texto? Vejamos a perícope completa:
 
2º Reis 22
3 No décimo oitavo ano do seu reinado, o rei Josias enviou o secretário Safã, filho de Azalias e neto de Mesulão, ao templo do Senhor, dizendo:
4 “Vá ao sumo sacerdote Hilquias e mande-o ajuntar a prata que foi trazida ao templo do Senhor, que os guardas das portas recolheram do povo.
5 Eles deverão entregar a prata aos homens nomeados para supervisionar a reforma do templo, para poderem pagar os trabalhadores que fazem os reparos no templo do Senhor:
6 os carpinteiros, os construtores e os pedreiros. Além disso comprarão madeira e pedras lavradas para os reparos no templo.
7 Mas eles não precisarão prestar contas da prata que lhes foi confiada, pois estão agindo com honestidade”.
8 Então o sumo sacerdote Hilquias disse ao secretário Safã: “Encontrei o livro da Lei no templo do Senhor”. Ele o entregou a Safã, que o leu.
9 O secretário Safã voltou ao rei e lhe informou: “Teus servos entregaram a prata que havia no templo do Senhor e a confiaram aos trabalhadores e supervisores no templo”.
10 E o secretário Safã acrescentou: “O sacerdote Hilquias entregou-me um livro”. E Safã o leu para o rei.
11 Assim que o rei ouviu as palavras do livro da Lei, rasgou suas vestes.
 
Note como o texto com a perícope completa é perfeitamente harmonioso: Josias pede que Hilquias ajunte a prata do templo e que os trabalhadores comecem as obras; Hilquias descobre o livro e o entrega a Safã, e Safã informa ao rei quanto à prata e ao livro. A “paráfrase” só fica aparente quando se corta o relato pela metade e o termina no verso 9, como Römer desonestamente faz ao referenciar o texto.
 
Além disso, qualquer escritor sabe que é perfeitamente comum que o próprio autor edite o seu texto e insira trechos que não estavam ali numa versão inicial, ou que estavam de um jeito diferente. Eu faço isso em todos os meus artigos e livros, e por ironia do destino, estou fazendo isso neste exato momento. Na versão inicial deste artigo, este parágrafo não existia, e o “referenciar o texto” era seguido pelo “ainda pior do que isso” (de dois parágrafos abaixo). Mas julguei importante fazer essa ressalva ao revisar o texto, assim como muitas outras ao longo de todo o artigo (que vocês nunca vão saber onde, porque nenhum de vocês tem a habilidade sinistra que Römer tem).
 
Mas imagine se daqui milhares de anos alguém se deparasse com o meu texto e diante dessa aparente edição concluísse que foi um redator que o manipulou muito tempo após minha morte. Embora a ideia da revisão estivesse correta, a ideia do redator estaria redondamente errada, já que os textos podem ser perfeitamente editados, reescritos ou melhor arranjados pelo próprio autor. Assim, mesmo que fosse provado existir muitas “inserções” nos textos bíblicos, isso ainda não provaria que as inserções foram colocadas ali por um redator, ainda mais por um redator malicioso servindo a uma conspiração.
 
Ainda pior do que isso é sua interpretação de Deuteronômio 6:4:
 
A identidade do locutor não é designada. É Moisés, YHWH, o rei, um “eu” anônimo? O Sema yisrael em Dt 6:4-5 deixa pouco provável que o locutor seja YHWH, mas nada impede que, na primeira versão do Deuteronômio, se trate do rei (Josias), antes que a grande revisão do Deuteronômio, durante a época dita exílica, o transforme em testamento de Moisés.[82]
 
De onde ele tirou que é Josias quem diz “ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor” (Dt 6:4)? Só Deus sabe. Ele não consegue provar que Deuteronômio é posterior a Josias, não consegue provar que YHWH só se tornou o Deus único nos tempos de Josias e certamente não consegue encontrar Josias no texto. Isso é pura elucubração e nada a mais. Outro exemplo de procurar chifre em cabeça de cavalo é quando ele diz:
 
A narrativa da vocação em Êx 3:1-4:18 não faz parte da história primitiva. Constata-se primeiro que, em 4:18, Moisés já diz a seu sogro que deve retornar ao Egito, e este lhe dá sua bênção, enquanto o versículo seguinte (4:19) contém ainda uma ordem de YHWH a Moisés para que retorne ao Egito. A melhor explicação para essa duplicata está na tese segundo a qual o episódio de Êx 3:1-4:18 foi inserido mais tarde numa narrativa mais antiga.[83]
 
Os textos em questão dizem:
 
Êxodo 4
18 Depois Moisés voltou a Jetro, seu sogro, e lhe disse: “Preciso voltar ao Egito para ver se meus parentes ainda vivem”. Jetro lhe respondeu: “Vá em paz!”.
19 Ora, o Senhor tinha dito a Moisés, em Midiã: “Volte ao Egito, pois já morreram todos os que procuravam matá-lo”.
 
Römer argumenta que não faria sentido YHWH dizer no verso 19 para Moisés voltar ao Egito, se o verso 18 diz que Moisés já estava determinado a isso. O que ele não percebe (talvez por não ter lido o texto, talvez por mau-caratismo mesmo) é que o verso 19 se refere ao que Deus já havia dito a Moisés, não a algo que tenha dito depois de Moisés comunicar seu sogro de que partiria ao Egito. Em outras palavras, primeiro Deus pediu que Moisés voltasse ao Egito, e depois é que Moisés comunica Jetro. Se o versículo fosse mesmo fruto de uma corrupção, que dificuldade o redator teria para simplesmente mudar a ordem dos versículos? Lógico que nenhuma, mas ele não fez isso, porque não havia nada para “adulterar” aqui!
 
Outro texto em que Römer enxerga o fantasma do redator é o de 1º Reis 6:7, onde Salomão constrói o templo com pedras já talhadas:
 
O versículo 7 só faz sentido visualizando-se uma construção já existente: “O templo foi construído com pedras já talhadas; de modo que não se ouviu barulho de martelo, de cinzel, nem de qualquer outro instrumento de ferro no templo durante a sua construção”.[84]
 
O que ele vergonhosamente omite é que o próprio capítulo anterior explica por que as pedras não precisaram ser talhadas: porque já haviam sido por Hirão, rei de Tiro, com o qual fez um acordo pela ajuda na construção do templo:
 
“Salomão tinha setenta mil carregadores e oitenta mil cortadores de pedra nas colinas, bem como três mil e trezentos capatazes que supervisionavam o trabalho e comandavam os operários. Por ordem do rei retiravam da pedreira grandes blocos de pedra de ótima qualidade para servirem de alicerce de pedras lavradas para o templo. Os construtores de Salomão e de Hirão e os homens de Gebal cortavam e preparavam a madeira e as pedras para a construção do templo” (1º Reis 5:15-18)
 
Claro, Römer pode dizer que esse capítulo foi “enxertado posteriormente” pelos redatores sem apresentar qualquer prova, para que possa continuar usando 1º Reis 6:7 fora de contexto. É por isso que a tarefa do teólogo liberal é tão fácil: eles podem simplesmente usar uma especulação para justificar outra, ou uma conspiração para encobertar a outra. Considere por exemplo a teoria dele a respeito de Manassés e Ezequias:
 
Além disso, a maneira pela qual os reis são apresentados nos livros que lhes são consagrados, não corresponde aos seus sucessos ou aos seus fracassos políticos. Tomando apenas dois exemplos: Manassés é apresentado como sendo o pior de todos os soberanos de Judá, enquanto que, nos cinquenta e cinco anos em que ele governou, Judá conheceu um período de tranquilidade e de prosperidade. A esses cinquenta e cinco anos, os redatores consagram apenas uma pequena página e se contentam em enumerar, de maneira estereotipada, os horrores que esse rei, que foi um fiel vassalo dos assírios, teria cometido. Seu predecessor, Ezequias, do qual os redatores deuteronomistas cantam os louvores, dirigiu uma política de resistência antiassíria muito suicida, que levou a uma ocupação e a uma redução drástica do território do pequeno reino. Mas é justamente por causa dessa política antiassíria que ele é apresentado de maneira tão positiva.[85]
 
Em primeiro lugar, não é verdade que Manassés é retratado apenas de forma negativa: em 2º Crônicas, lemos que “em sua angústia, ele buscou o favor do Senhor, o seu Deus, e humilhou-se muito diante do Deus dos seus antepassados. Quando ele orou, o Senhor o ouviu e atendeu o seu pedido; de forma que o trouxe de volta a Jerusalém e a seu reino” (2Cr 33:12-13). Depois, o texto segue mencionando uma série de êxitos de Manassés, como o fato de que ele “reconstruiu e aumentou a altura do muro externo da cidade de Davi, a oeste da fonte de Giom, no vale, até a entrada da porta do Peixe, em torno da colina de Ofel” (2Cr 33:14).
 
Também não é verdade que Ezequias é retratado apenas de forma positiva. Após ser curado de uma doença mortal e receber quinze anos de vida a mais, ele revelou todos os seus tesouros aos mensageiros da Babilônia e justamente por isso Isaías profetiza que “um dia tudo que se encontra em seu palácio bem como tudo o que os seus antepassados acumularam até hoje será levado para a Babilônia. Nada restará(2Rs 20:17). Não existe aqui uma dicotomia entre “Ezequias bom / Manassés ruim”. O que existe é um rei que começou bem e terminou mal, e outro que começou mal e terminou bem (ainda que os pecados de Manassés tenham sido muito piores que os de Ezequias).
 
Se realmente Manassés fosse “odiado” pelos redatores e Ezequias fosse amado por eles, por que teriam mencionado o arrependimento de Manassés e o pecado de Ezequias? Que método pouco usual de manifestar amor e ódio! Mas é justamente com base nessa falsa dicotomia, que só existe na cabeça de Thomas Römer, que ele especula que as obras atribuídas a Ezequias tenham sido realizadas por Manassés:
 
Aliás, é bem possível que a maior parte das obras que a Bíblia atribui ao rei Ezequias tenham sido, de fato, realizadas sob Manassés. Dado que esse rei é detestado pelos autores bíblicos, é facilmente compreensível que estes tenham atribuído essas obras a Ezequias.[86]
 
Nisso vemos como que o único “preconceituoso” aqui é o próprio Römer, que acusa os redatores de terem preconceito com Manassés, quando na verdade é ele próprio que tem preconceito com os redatores!
 
A mesma visão distorcida que ele tem de Manassés e Ezequias ele também tem de Saul, Davi e Salomão:
 
É muito difícil discernir, por trás das narrativas bíblicas das origens da monarquia, os fatos históricos concretos. Observa-se que os três reis – Saul, Davi e Salomão –foram construídos como figuras modelos pelos redatores bíblicos: Saul, o rei rejeitado, prefigurando a visão do Reino do Norte pelos redatores dos livros dos Reis; Davi, o rei guerreiro, eleito de YHWH e fundador do reino e da dinastia, e Salomão, o rei construtor e sábio.[87]
 
Mas se Davi e Samuel eram «figuras modelos» dos redatores bíblicos, por que eles insistiram em falar dos pecados de todos eles? Poucos personagens bíblicos nós conhecemos tão bem os pecados quanto Davi, que adulterou com Bate-Seba e armou um esquema pro marido dela morrer depois disso, além de ter feito um recenseamento do povo por pura vaidade e ter sido severamente punido por isso (1Cr 21:1-7). Os escritores bíblicos (redatores?) também enfatizam sua falha na criação dos filhos, que gerou a rebelião de Absalão contra ele e a revolta de Adonias contra Salomão, porque “seu pai nunca o havia contrariado; nunca lhe perguntava: ‘Por que você age assim?’” (1Rs 1:6). 
 
Com Salomão é ainda mais grave, porque ele é acusado do pior de todos os pecados: a idolatria. Embora a lei proibisse que o rei multiplicasse esposas (Dt 17:17), Salomão tinha nada a menos que mil delas (1Rs 11:3), e elas “o induziram a voltar-se para outros deuses, e o seu coração já não era totalmente dedicado ao Senhor, o seu Deus, como fora o coração do seu pai Davi. Ele seguiu os postes sagrados, a deusa dos sidônios, e Moloque, o repugnante deus dos amonitas” (1Rs 11:4-5).
 
Por que um redator escrevendo séculos após os acontecimentos (que para muitos deles nem são históricos, diga-se de passagem) faria questão de incluir tantas coisas ruins sobre Davi e Salomão, se ele supostamente tinha por intenção pintar Davi e Salomão como dois arquétipos de reis bons em contraposição a Saul? Mais uma vez, entra em cena aqui a teoria do redator burro, que detona sem a menor necessidade alguém que tem por finalidade defender e exaltar (tipo a Chiquinha defendendo o Nhonho).
 
Não parece muito mais simples e muito mais lógico simplesmente inferir que os escritores bíblicos elogiaram os personagens bíblicos naquilo que mereciam elogio e criticaram aquilo que merecia crítica? Mas isso acabaria com a teoria da conspiração do redator e reduziria as vendas do livro, então é melhor partir pra mil e uma conjecturas do porquê que tal personagem é retratado assim ou assado. Isso é exatamente a mesma caricatura que ele faz do Reino do Sul em contraposição ao Reino do Norte:
 
A historiografia bíblica, especialmente nos livros de Samuel e dos Reis, é redigida, portanto, a partir de uma perspectiva sulista e apresenta o Norte e seus reis sob um ângulo negativo, acusando-os de ter venerado outros deuses em lugar do deus de Israel e de ter erigido santuários em concorrência com o de Jerusalém.[88]
 
Segundo a visão dos autores bíblicos, expressa no livro dos Reis e um tanto quanto diferentemente nos livros das Crônicas, a história dos dois reinos de Israel e de Judá é relatado numa perspectiva “sulista’, isto é, do ponto de vista de Judá.[89]
 
Essa teoria seria interessante, se não fosse por um petit problème: os escritores bíblicos enfatizam os pecados do Reino do Sul ainda mais do que fazem do Reino do Norte! A maioria dos reis de Judá são tidos como maus e vários livros proféticos são escritos por profetas do sul condenando os pecados do Reino do Sul e profetizando o cativeiro babilônico (entre eles Jeremias, Isaías, Miqueias, Ezequiel e Sofonias).
 
Ainda mais significativo contra essa teoria da “perspectiva sulista” é o fato de que, após o cisma entre o sul e o norte, o termo “Israel” (que antes era usado para o reino inteiro) passou a ser reservado dali em diante apenas para o Reino do Norte. Embora falemos hoje de “Reino do Sul” e “Reino do Norte”, essa é uma designação teológica moderna. A forma que a própria Bíblia se refere ao que chamamos de “Reino do Sul” é “Judá” (às vezes “Judá e Benjamim”), e a forma com que se refere ao “Reino do Norte” é “Israel” (às vezes “Efraim”, mas na maior parte das vezes “Israel”).
 
Se os redatores têm todos eles uma perspectiva sulista, por que reservariam o nome da nação ao Reino do Norte, e não ao do Sul? Se o Brasil se dividisse ao meio, é muito provável que o sul continuasse se achando o “Brasil”, e que o norte pensasse o mesmo. E ambos dariam um nome diferente ao outro, já que na perspectiva deles o outro é que não seria mais o “Brasil”. Vemos um exemplo claro disso na Coreia, que se dividiu em 1945 e, desde então, tanto o sul quanto o norte se consideram “a Coreia”. Se você tiver a péssima ideia de visitar a Coreia do Norte e chamar o país deles de “Coreia do Norte”, corre risco de morte (aliás, corre risco de morte por qualquer coisa, por isso é uma péssima ideia). Os norte-coreanos não se chamam de “Coreia do Norte”, mas de “República Popular Democrática da Coreia”, mesmo que de “democrática” e “popular” não tenha nada, e que de “Coreia” tenha só a metade.
 
Portanto, devemos nos perguntar por que os redatores, que supostamente teriam uma perspectiva sulista e seriam tendenciosos a favor do sul e contra o norte, como defende Römer, atribuiriam o nome “Israel” ao norte, e não ao sul. Note como isso faz todo o sentido quando entendemos que eles não eram tendenciosos para nenhum dos dois lados, mas como o norte ficou com a maioria das tribos (dez das doze), coube a eles o nome.
 
Ademais, se os salmos foram escritos tardiamente (no período babilônico e persa, como acredita Römer), por que não vemos menções a “Judá”, mas vemos centenas de menções a “Israel”? Isso faz todo o sentido quando assumimos que a maioria dos salmos foram escritos realmente por Davi, como assegura a tradição e como atestado nos próprios salmos, quando o reino ainda era unido e todo ele era “Israel”. Mas se eles foram escritos séculos mais tarde, já após a cisão entre os reinos, e vimos que “Israel” nessa época passou a designar o Reino do Norte em particular, por que os salmistas não seguem o exemplo dos livros de Reis e Crônicas e falam em Judá? Será que eles estavam preocupados em exaltar apenas o Reino do Norte, justamente aquele que Römer afirma terem preconceito?
 
Muito mais poderia ser dito, mas creio que isso tudo basta para mostrar como as dificuldades dos teólogos liberais são insuperáveis. Na verdade, não são os escritores bíblicos e muito menos os supostos “redatores” que eram tendenciosos, mas o próprio Römer, que parte de uma pressuposição naturalista para interpretar a Bíblia, onde a missão do teólogo é criticar a Bíblia e encontrar as “adulterações” dos redatores com uma lupa na mão. O resultado é esse verdadeiro show de horrores, porque já parte de uma pressuposição errada desde a raiz.
 
Essa é apenas a primeira parte da crítica. Na próxima, entrarei nos temas mais espinhosos do livro, onde coisas muito mais aterradoras nos aguardam. Crede e verás!
 
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
 
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (youtube.com/LucasBanzoli)



[1] RÖMER, Thomas Christian. A Origem de Javé: o Deus de Israel e seu nome. São Paulo: Paulus, 2016, p. 15.

[2] ibid, p. 21.

[3] ibid, p. 59.

[4] ibid, p. 73.

[5] ibid, p. 21.

[6] ibid, p. 91.

[7] ibid, p. 27.

[8] ibid, p. 179.

[9] ibid, p. 180.

[10] ibid, p. 181.

[11] Entre elas, Berosso e Josefo.

[12] RÖMER, Thomas Christian. A Origem de Javé: o Deus de Israel e seu nome. São Paulo: Paulus, 2016, p. 179.

[13] ibid, p. 191.

[14] ibid, p. 28.

[15] ibid, p. 29.

[16] ibid, p. 175.

[17] ibid, p. 172.

[18] ibid, p. 99.

[19] ibid, p. 23.

[20] ibid, p. 91.

[21] ibid, p. 112.

[22] ibid, p. 19-20.

[23] ibid, p. 59.

[24] ibid, p. 73.

[25] ibid, p. 107.

[26] ibid.

[27] ibid, p. 89.

[28] ibid, p. 23.

[29] ibid.

[30] ibid, p. 47.

[31] ibid, p. 61.

[32] ibid, p. 73.

[33] ibid, p. 87-88.

[34] ibid, p. 50.

[35] ibid, p. 14.

[36] ibid, p. 23.

[37] ibid, p. 239.

[38] ibid, p. 89.

[39] ibid, p. 42.

[40] ibid, p. 55.

[41] ibid, p. 85.

[42] ibid, p. 73.

[43] ibid, p. 72.

[44] ibid, p. 81.

[45] ibid, p. 90.

[46] ibid, p. 94.

[47] ibid, p. 95.

[48] ibid, p. 103.

[49] ibid, p. 100.

[50] ibid, p. 157.

[51] ibid, p. 166.

[52] ibid, p. 167.

[53] ibid, p. 224.

[54] ibid, p. 240.

[55] ibid, p. 240-241.

[56] ibid, p. 93.

[57] ibid, p. 18.

[58] ibid, p. 244.

[59] ibid, p. 18.

[60] ibid, p. 89.

[61] ibid, p. 99.

[62] ibid, p. 18.

[63] ibid.

[64] ibid.

[65] ibid, p. 58.

[66] ibid, p. 188.

[67] ibid, p. 235.

[68] ASSIS, Luiz Gustavo. A historicidade confiável do livro de Daniel. Disponível em: <http://www.arqueologia.criacionismo.com.br/2009/01/historicidade-confivel-do-livro-de.html>. Acesso em: 15/03/2024.

[69] ibid, p. 20.

[70] ibid, p. 85.

[71] ibid, p. 240.

[72] ibid, p. 233.

[73] ibid, p. 214-215.

[74] ibid, p. 216.

[75] ibid, p. 228.

[76] ibid, p. 32.

[77] ibid, p. 41.

[78] ibid, p. 49.

[79] ibid, p. 111.

[80] ibid, p. 216.

[81] ibid, p. 189.

[82] ibid, p. 202.

[83] ibid, p. 66.

[84] ibid, p. 100.

[85] ibid, p. 106.

[86] ibid, p. 178.

[87] ibid, p. 91.

[88] ibid, p. 24.

[89] ibid, p. 105. 

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10 comentários:

  1. Vi esse comentário defendendo a inquisição. Lucas, estas informações são verídicas?

    "O documentário que ele cita é apresentado pelo historiador Henry Kamen e está disponível no YouTube. Henry Kamen é o maior especialista em inquisição espanhola, autor do melhor livro sobre o tema e grande referência na área e em sua obra ele desmistifica a "lenda negra" da inquisição ao apresentar os processos, números reais de condenações, ao traçar paralelos comparando o tribunal do santo ofício c os tribunais seculares da época e inclusive mostrando a diferença das prisões da inquisição para as prisões normais.
    De forma resumida, ao contrário do imaginário popular, a inquisição não foi algo brutal e uma ferramenta persecutoria da Igreja mas sim um tribunal de misericórdia que trouxe uma vasta gama de avanços no direito, colocou fim a julgamentos arbitrários atribuindo elementos técnicos ao processo e permitindo ao réu se arrepender em QUALQUER parte do rito, estando assim livre de condenação. Além disso os estudos historiográfico além de comprovarem que o tribunal da inquisição era infinitamente mais brando q o secular, tmb deixa claro q a inquisição jamais matou alguém já q esse sequer era a sua atribuição já q a ela competia apenas realizar um julgamento técnico para saber se o réu era ou não um herege. E uma vez definido, este era entregue ao poder secular q este sim aplicava a pena(a pena de morte vigorava em toda a Europa e crimes como falsificação de moeda por exemplo eram passíveis de tal punição). Quando um herege era condenado a morte pelo poder civil, os inquisidores haviam falhado pois o seu objetivo de salvar aquela alma do pecado e tirá-lo da heresia n havia sido alcançado. Ou seja, era feito de tudo para q a pena capital n fosse aplicada.

    De acordo c os estudos, apenas cerca de 3% a 8% dos réus da inquisição eram condenados por heresia e entregues ao poder secular. Sendo q desses, muitos sequer eram mortos e em lugar disso se queimavam bonecos que representavam os pecados das pessoas. Em contrapartida em tribunais seculares, o número de condenações chegavam a mais de 50%...

    Durante mais de 6 séculos de inquisição, menos de 5 mil pessoas foram condenadas a morte em toda a Europa por heresia, um número ínfimo e q prova a misericórdia da Igreja Católica."

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    1. Todo esse besteirol corresponde exatamente aquilo que já foi exaustivamente refutado nos meus artigos sobre o tema (literalmente para cada frase acima eu tenho um artigo correspondente, porque são as mesmas mentiras de sempre repetidas uns dos outros), confira o tópico de "Artigos sobre Inquisição" no índice de artigos sobre catolicismo aqui do site:

      https://www.lucasbanzoli.com/2015/07/artigos-sobre-catolicismo.html

      Se você não quiser ler tudo e quiser algo mais resumido, recomendo esses dois artigos e essas duas lives do meu canal:

      https://www.lucasbanzoli.com/2018/06/entenda-tudo-sobre-inquisicao-e-caca.html

      https://heresiascatolicas.blogspot.com/2017/08/breve-refutacao-cinco-taticas-dos.html

      https://www.youtube.com/watch?v=tAAMUMuSR9I&t

      https://www.youtube.com/watch?v=8OThrM9jiCU

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Olá, o que eu tinha para comentar desses debates eu já comentei nesses vídeos:

      https://www.youtube.com/watch?v=oyfNTeYGqss&t

      https://www.youtube.com/watch?v=CVi7nug-yrs

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  3. Parabéns, Lucas. Que bom que você luta de forma tão categórica contra as mentiras da Teologia Liberal e do Ateísmo. Gostaria de te indicar um livro que estou lendo no momento e amando, Reflita: Tornando-se você mesmo ao espelhar a maior pessoa da história, de Thaddeus J. Williams, estou lendo pela Pilgrim, mas já estou vendo que terei que comprar o físico, pois quero reler. O autor além de escrever muito bem, faz muitas analogias com Filosofia e Literatura, o que faz sentido, já que ele é professor dessas áreas. Acredito que você possa gostar.

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    1. Oi Priscyla, obrigado pela recomendação! Só pra saber, esse livro é mais voltado à área teológica ou devocional? (não que eu tenha algo contra leituras devocionais, é só pra saber mesmo rs)

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  4. Bom dia, Lucas.
    A biblia diz que tem que crer em Jesus pra ser salvo, daí eu pergunto "como ficam as pessoas que não creem em Jesus, mas são bondosas e ajudam os outros"?
    Outra coisa: se tem que crer pra ser salvo, então todas as pessoas que viviam fora de Israel foram condenadas eternamente, porque não ouviram falar de Deus, logo não creram?
    Responda essas perguntas, por favor!

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    1. A Bíblia não diz em lugar nenhum que essas pessoas não tem possibilidade de salvação, no artigo abaixo eu mostro as razões por que creio que os povos não-alcançados podem ser salvos seguindo a lei de consciência da qual Paulo fala:

      https://ateismorefutado.blogspot.com/2015/04/o-destino-dos-povos-nao-alcancados.html

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  5. Buenas,
    Tu tens opinião sobre a série The Chosen? Parece que tem bastante debate ao menos nas redes, inclusive entre protestantes e eevangélicos com posições bem discordantes. Eu não assisti ainda.

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    1. Eu devo ser o único cristão que também não assistiu, porque vejo todo mundo comentando sobre essa série e sempre com opiniões extremamente divididas (uns completamente apaixonados pela série, outros achando a coisa mais herética já produzida). Eu precisaria assisti-la pra formar uma opinião pessoal, mas como eu assisto séries apenas como passatempo e o primeiro episódio não me agradou muito (o ritmo me pareceu lento demais e sem graça), eu não me animei a continuar assistindo, mas um dia pretendo assistir sim.

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